São Paulo, sábado, 11 de julho de 1998
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Surpresas que a glória fez

JANIO DE FREITAS

As relações sempre conflituosas entre técnicos de seleção e jornalistas esportivos são norma universal.
Sem exceção notável, os técnicos derrotados demitiram-se ou foram demitidos sob igual fogo cruzado: de uma parte, as acusações aos técnicos pelos insucessos e, de outra, as acusações aos jornalistas esportivos de criarem dificuldades e injustiças, perturbando técnico e time.
Zagallo talvez se suponha caso único, mas não foi sequer o mais criticado, ou com mais aspereza, e nem de longe o mais perturbado. Sua taça, no esporte das divergências futebolísticas, é a de campeão do ressentimento boçalizado em expressões do tipo "vocês vão ter que me engolir", e daí para pior.
Muito mais do que Zagallo, sofreu, entre outros, o francês Aimé Jacquet.
A preparação do time da França durou dois anos de pancadaria cerrada no técnico, sem economia de sobras para os 50 e tantos jogadores testados, salvo apenas Zidane. Mas o ajuste de contas de Jacquet, agora que chegou à final, não foi apenas elegante, embora franco. Foi também um momento bonito.
O futebol é um jorrar infinito de declarações, mas sempre ao nível do chão. Aimé Jacquet, cujas fotos domésticas exibem uma estante respeitável de livros, entusiasta de teatro, subiu o tom. Ao falar da sua vitória semifinalista sobre a Croácia, dedicou-a, primeiro, ao co-presidente do Comitê de Organização da Copa, Sastre, morto logo no início do Mundial. Por último, dedicou-a "também aos jornalistas que fizeram seu trabalho honesta e corretamente".
Entre as duas, porém, uma dedicatória surpreendente: "a todos os educadores que, nas camadas mais baixas da França, trabalham em condições difíceis".
Uma lembrança dessas em um homem do futebol, não importa o país, nem a ocasião, já seria espantosa.
Em um momento de glória e festa, de consagração pessoal e profissional, lembrar-se dos que estão no extremo oposto, e fazê-los também e afinal sujeitos de uma homenagem, esse é um gesto de grandiosidade humana comovente.
Mais bonito do que todos os gols da Copa. E, claro, o gesto que mais passou despercebido no mundo do futebol.
Aimé Jacquet não ficou de todo desacompanhado, porém.
As defesas salvadoras nos pênaltis não mostraram o Taffarel mais imprevisto. Ele próprio o fez, logo no primeiro comentário depois de salvar o Brasil, ao dizer que não se considera grande pegador de pênaltis, nem que as suas defesas tivessem a importância maior:
"O mais importante é a alegria que a gente está dando ao povo brasileiro, que anda carente de alegria".
E de quem diga isso, mesmo sem o fazer em um momento glorioso como o de Taffarel.

Texto Anterior: 1994
Próximo Texto: Seleção refaz a unidade francesa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.