São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998 |
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A coluna que ninguém leu
GUSTAVO IOSCHPE
Enfatizo o "normalmente" porque imagino que, hoje, ninguém esteja lendo. (Acho que errei de novo, se você está aí.) Acabo de ver -aliás, de sofrer- o jogo da semifinal de Ronaldinho & Cia. Ltda. (ênfase no "limitada") e, entusiasmado com a final de domingo (só falta uma, Gagallo), suponho que quem se der ao trabalho de chegar até esta seção é ruim do foot (ball) ou doente da cabeça. Pois, se o Brasil tiver ganho ontem, você deve estar de ressaca, afônico, com os nervos em frangalhos. Se conseguir abrir o olho, vai ser só pra saber dos detalhes da nossa epopéia. Se o Brasil -toc-toc-toc na madeira, ferradura de cavalo e beijo na patilha de coelho, que "no creo en brujas, pero que las hay, las hay"- tiver perdido, os príncipes do penta serão os sapos derrotados. E você, de ressaca, afônico etc., só vai abrir o olho pra carregar a bazuca pro Gagallo ou espetar bonequinho de vodu. Toda essa longa introdução foi pra explicar a sensação estranha de escrever uma coluna que ninguém vai ler e as muitas tentações decorrentes. Podia prever as maiores catástrofes, anunciar a morte de tantos, que, se elas se confirmassem, iria brandir estas linhas e, orgulhoso, dizer: "Viu? Não falei?". Se não se materializassem, tanto igual, porque ninguém leria mesmo. Podia lavar toda a roupa suja e contar tudo aquilo que ouvi "em off", assim, segredado ao pé do ouvido, que, quando a vaca fosse pro brejo e os justiceiros inconformados se exaltassem aos brados ("Como é que ninguém disse nada?"), lá estaria eu, recorte em punho, impressionando todos com minha presciência. E, claro, se os podres continuassem incógnitos, não perderia a confiança dos confidentes: ninguém leu. Arrolo toda uma lista de possibilidades dos descalabros que poderia cometer e, assim, não deixo de me fascinar com o óbvio: como é poderosa essa Copa do Mundo. Quantas pessoas ela mobiliza, imanta, fascina, emociona, agride, frustra, maltrata, faz feliz. Quantas pessoas param tudo e ficam prostradas, olhando pra camisa canarinha como se do amarelo-ouro do uniforme fosse surgir, por alguma alquimia transcontinental, o metal nobre que lhe inspira a cor. E, de uma certa forma, cada vez que a bola desliza mansa ou voa faceira até o barbante, a pátria de chuteiras (agora o entendo, Nelson) agradece enternecida por esse milagre dos deuses do futebol, mais eficientes em seus paliativos pra essa vida de mortes súbitas e bolas fora do que muitos dos deuses supostamente reais. E se hoje só disse o óbvio, é porque óbvio é o dia de hoje, em que somos todos simplesmente brasileiros, nada mais, numa banalidade feliz -repartida. E se não peço desculpas pelas trivialidades, é porque se trata, afinal, da coluna que ninguém leu. Texto Anterior: Semana do surfe em SP recebe Johnny Boy Próximo Texto: Leitora leva para casa um beagle, outros 59 ganham CDs do Pato Fu e Prodigy Índice |
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