São Paulo, domingo, 01 de março de 2009

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Crítica/teatro/"Um Dia (Quase) Igual aos Outros"

Apesar do empenho do elenco, texto de Fo volta datado ao palco

Débora Duboc revela amadurecimento, mas desarranjo entre encenação original, dos anos 80, e a atual é evidente

Lenise Pinheiro/ Folha Imagem
Débora Duboc em cena de 'Um Dia Quase Igual aos Outros'

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Os segredos da comédia são os mais cobiçados, porque transcendem técnicas e truques e não são transmissíveis. O espetáculo "Um Dia (Quase) Igual aos Outros" cumpre a nobre missão de divertir o espectador e o faz com esmero e correção, mas deixa a dúvida sobre se o que foi visto era mesmo engraçado.
Essa estranheza de um cômico a meias, como que equilibrado com o trágico, poderia ser exatamente o objetivo dos autores do texto original: Dario Fo, o célebre dramaturgo italiano, e sua mulher Franca Rame, a protagonista da primeira montagem, em 1986. Naquele momento, a personagem da publicitária que decide se matar, diante da frustração do abandono amoroso e da falência de suas crenças profissionais, soava atualíssima e justificava-se como estopim de um processo de libertação feminina.
Passados mais de 20 anos, é inevitável perceber no texto, pela atual montagem, um desequilíbrio entre a dimensão realista desta mulher e os aspectos cômicos de sua situação dramática, escravizada entre uma parafernália eletrônica e os limites que se impôs para não engordar e permanecer saudável. Esvaziadas as referências conjunturais da personagem, e exacerbados os seus aspectos hilariantes, perde-se em comicidade. E o déficit de humor não se deve só à encenação, que maximiza meios para honrar o melhor espírito da comédia popular, mas à própria dramaturgia, que reaparece datada. A direção de Neyde Veneziano, uma especialista no teatro de Fo e Rame, é minuciosa e contou com a participação de atores e atrizes cômicos de primeira linha, além de colaboração técnica primorosa para engendrar os suportes audiovisuais. Todas as cenas pré-gravadas, em vídeo ou em vozes, são bem realizadas e eficazes do ponto de vista da narrativa cênica, resolvendo a proposta dos dramaturgos de forma sofisticada e atualizando a montagem original. Convicta que os textos de Fo, antes de serem literatura, são pretextos de cenas, Veneziano explorou bem suas estruturas subjacentes, sublinhando, por exemplo, as afinidades de alguns personagens com a commedia dell'arte. Assim, na cena em que a personagem recebe a intempestiva visita de dois ladrões, melhor momento do espetáculo, evocam-se as confusões de Brighellas e Arlecchinos. Débora Duboc lança-se ao desafio proposto pela encenadora com destemor. Como desempenho, sua Júlia é um marco de amadurecimento na carreira, já que sustenta o tônus da comédia praticamente sozinha, contracenando a maior parte do tempo com sons e imagens projetadas. Mas, talvez, pela personagem ter sido moldada por Franca Rame na própria carne, quase como uma performer que comentasse distanciada sobre a trama em que se visse metida, Duboc não consegue incorporá-la completamente.
Ainda que plena de técnica, a atriz oscila entre registros de farsa e de melodrama, sem nunca vivificar aquela mulher de fato e, portanto, provocar um riso de identificação real com sua humanidade. É um problema que reflete, no fundo, um texto que envelheceu mal.


UM DIA (QUASE) IGUAL AOS OUTROS Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quando: qui. a sáb., às 19h30; dom., às 18h; até 5/4
Quanto: R$ 15
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular



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