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Ciclo traz fontes e desdobramentos do neo-realismo
Movimento cinematográfico italiano foi um dos mais influentes do século passado e ainda reverbera no atual
Preciosidades como "Toni", de Jean Renoir, "Aniki Bóbó", de Manoel de Oliveira, e "Obsessão", de Visconti, estão na seleção
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O neo-realismo italiano, surgido dos escombros da Segunda
Guerra Mundial, foi talvez o
movimento cinematográfico
mais influente do século passado, e continua reverberando no
atual. Suas marcas são visíveis
na nouvelle vague francesa, no
cinema novo brasileiro, na despojada produção iraniana.
Mais que uma escola ou um
estilo, o neo-realismo representou um influxo libertador,
de aproximação do cinema com
a vida. Filmagem nas ruas, atores não-profissionais, personagens comuns, assuntos do dia-a-dia. Esse impulso de revitalização pode ser conferido a partir de amanhã na mostra "Olhares Neo-Realistas", no Centro
Cultural Banco do Brasil de São
Paulo.
Entre os 36 filmes programados, sejam longas, médias e
curtas-metragens, estão não
apenas clássicos do neo-realismo propriamente dito, como
"Roma Cidade Aberta" (Roberto Rossellini, 1945) e "Ladrões
de Bicicleta" (Vittorio De Sica,
1948), mas também precursores e herdeiros (legítimos ou
bastardos) do movimento.
Da "pré-história" neo-realista serão exibidos os pioneiros
"Toni" (1934), de Jean Renoir,
"Aniki Bóbó" (1942), de Manoel
de Oliveira, e "Obsessão"
(1942), de Luchino Visconti. Só
essas três preciosidades já justificariam o ciclo.
O filme de Renoir, ambientado entre imigrantes pobres que
vivem em torno de uma pedreira, foi um passo audaz na carreira do então já maduro e consagrado cineasta. Trabalhando
uma trama de tragédia passional protagonizada por personagens simples, o cineasta buscou
afastar seu cinema do artificialismo dos estúdios e aproximá-lo, segundo ele próprio, da "objetividade da fotografia".
Já Manoel de Oliveira, em
seu primeiro longa-metragem,
voltou sua câmera para o cotidiano das crianças pobres do
Porto, que ele registrou de maneira semidocumental. Curiosamente, o cinema do ainda ativo diretor português se afastaria cada vez mais do naturalismo e se aproximaria do teatro e
da literatura.
Tragédias proletárias
No mesmo ano em que Oliveira estrava em Portugal, Visconti começava na Itália fascista sua luminosa carreira com
uma adaptação do romance policial americano "O Destino Bate à Sua Porta", de James M.
Cain. Com seu erotismo à flor
da pele e sua trama repleta de
cinismo e desespero, o filme teve problemas com a censura da
época, mas lançou as bases de
uma das vertentes do cinema
de Visconti, a das tragédias proletárias, que atingiram seus
momentos mais elevados em
"La Terra Trema" (presente na
mostra) e "Rocco e Seus Irmãos". Não por acaso, o diretor
tinha sido assistente de Renoir.
"Paisà" (Rossellini, 1946),
"Vítimas da Tormenta" (De Sica, 1946), "Alemanha Ano Zero" (Rossellini, 1947) e "Arroz
Amargo" (Giuseppe De Santis,
1949) representam no ciclo o
que poderia ser chamado de
"núcleo duro" do neo-realismo.
Eles formam o seu cerne, a sua
medula.
Daí em diante o movimento
se espraia nas mais variadas direções. O Brasil comparece
com "Rio 40 Graus" (1955),
"Rio Zona Norte" (1957), ambos de Nelson Pereira dos Santos, "O Grande Momento"
(1958), de Roberto Santos, e
"Porto das Caixas" (1962), de
Paulo César Saraceni. Todos
precursores do cinema novo.
Há ainda obras-primas de cineastas radicalmente autorais,
como Luís Buñuel ("Os Esquecidos"), Michelangelo Antonioni ("As Amigas"), Federico Fellini ("Noites de Cabiria") e Pier
Paolo Pasolini ("Mamma Roma"), desdobramentos muito
pessoais do manancial neo-realista.
Há ainda, entre outras raridades dignas de nota, "Histórias da Revolução" (1960), do
cubano Tomás Gutiérrez Alea,
"Os Inundados" (1961), do argentino Fernando Birri, e "O
Jovem Rebelde" (1961), do cubano Julio García Espinosa. Este último tem roteiro de um dos
criadores do neo-realismo, Cesare Zavattini, numa autêntica
"volta à fonte".
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