São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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Ciclo traz fontes e desdobramentos do neo-realismo

Movimento cinematográfico italiano foi um dos mais influentes do século passado e ainda reverbera no atual

Preciosidades como "Toni", de Jean Renoir, "Aniki Bóbó", de Manoel de Oliveira, e "Obsessão", de Visconti, estão na seleção


JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O neo-realismo italiano, surgido dos escombros da Segunda Guerra Mundial, foi talvez o movimento cinematográfico mais influente do século passado, e continua reverberando no atual. Suas marcas são visíveis na nouvelle vague francesa, no cinema novo brasileiro, na despojada produção iraniana.
Mais que uma escola ou um estilo, o neo-realismo representou um influxo libertador, de aproximação do cinema com a vida. Filmagem nas ruas, atores não-profissionais, personagens comuns, assuntos do dia-a-dia. Esse impulso de revitalização pode ser conferido a partir de amanhã na mostra "Olhares Neo-Realistas", no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo.
Entre os 36 filmes programados, sejam longas, médias e curtas-metragens, estão não apenas clássicos do neo-realismo propriamente dito, como "Roma Cidade Aberta" (Roberto Rossellini, 1945) e "Ladrões de Bicicleta" (Vittorio De Sica, 1948), mas também precursores e herdeiros (legítimos ou bastardos) do movimento.
Da "pré-história" neo-realista serão exibidos os pioneiros "Toni" (1934), de Jean Renoir, "Aniki Bóbó" (1942), de Manoel de Oliveira, e "Obsessão" (1942), de Luchino Visconti. Só essas três preciosidades já justificariam o ciclo.
O filme de Renoir, ambientado entre imigrantes pobres que vivem em torno de uma pedreira, foi um passo audaz na carreira do então já maduro e consagrado cineasta. Trabalhando uma trama de tragédia passional protagonizada por personagens simples, o cineasta buscou afastar seu cinema do artificialismo dos estúdios e aproximá-lo, segundo ele próprio, da "objetividade da fotografia".
Já Manoel de Oliveira, em seu primeiro longa-metragem, voltou sua câmera para o cotidiano das crianças pobres do Porto, que ele registrou de maneira semidocumental. Curiosamente, o cinema do ainda ativo diretor português se afastaria cada vez mais do naturalismo e se aproximaria do teatro e da literatura.

Tragédias proletárias
No mesmo ano em que Oliveira estrava em Portugal, Visconti começava na Itália fascista sua luminosa carreira com uma adaptação do romance policial americano "O Destino Bate à Sua Porta", de James M. Cain. Com seu erotismo à flor da pele e sua trama repleta de cinismo e desespero, o filme teve problemas com a censura da época, mas lançou as bases de uma das vertentes do cinema de Visconti, a das tragédias proletárias, que atingiram seus momentos mais elevados em "La Terra Trema" (presente na mostra) e "Rocco e Seus Irmãos". Não por acaso, o diretor tinha sido assistente de Renoir.
"Paisà" (Rossellini, 1946), "Vítimas da Tormenta" (De Sica, 1946), "Alemanha Ano Zero" (Rossellini, 1947) e "Arroz Amargo" (Giuseppe De Santis, 1949) representam no ciclo o que poderia ser chamado de "núcleo duro" do neo-realismo. Eles formam o seu cerne, a sua medula.
Daí em diante o movimento se espraia nas mais variadas direções. O Brasil comparece com "Rio 40 Graus" (1955), "Rio Zona Norte" (1957), ambos de Nelson Pereira dos Santos, "O Grande Momento" (1958), de Roberto Santos, e "Porto das Caixas" (1962), de Paulo César Saraceni. Todos precursores do cinema novo.
Há ainda obras-primas de cineastas radicalmente autorais, como Luís Buñuel ("Os Esquecidos"), Michelangelo Antonioni ("As Amigas"), Federico Fellini ("Noites de Cabiria") e Pier Paolo Pasolini ("Mamma Roma"), desdobramentos muito pessoais do manancial neo-realista.
Há ainda, entre outras raridades dignas de nota, "Histórias da Revolução" (1960), do cubano Tomás Gutiérrez Alea, "Os Inundados" (1961), do argentino Fernando Birri, e "O Jovem Rebelde" (1961), do cubano Julio García Espinosa. Este último tem roteiro de um dos criadores do neo-realismo, Cesare Zavattini, numa autêntica "volta à fonte".


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