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ARTES PLÁSTICAS
Elaborados com materiais insubmissos, iglus do italiano estão em exposição na Pinacoteca do Estado
Obra de Mario Merz busca esteios harmônicos
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
Muitos intérpretes da
obra de Mario Merz (1925-1989) já deram ênfase a um aspecto nômade na sua produção. Em
geral, o destaque se baseia em similaridades anedóticas e temáticas. Como se o artista tomasse
formas de um passado muito distante em contraste com o ritmo
da vida moderna.
À maneira de ícones, seus iglus e
desenhos de animais ancestrais
atuariam como a reedição de um
período em que a história ainda
não tinha esse nome.
As obras se instalariam como
choupanas no meio de um caminho, inscrevendo no museu uma
certa ancestralidade simbólica
que instituísse um diálogo entre
temporalidades e hábitos de períodos distintos. É verdade que os
trabalhos se aproximam destas
referências tradicionais, e a proximidade das obras do espaço circundante estabelece uma relação
virulenta entre um e outro.
No entanto, os iglus de Merz,
acampados na Pinacoteca de São
Paulo, parecem revelar virtualidades mais contemporâneas destas
formas. Mais do que um caráter
provisório, dado pelas condições
duras de vida, o artista aponta para espaços difíceis de se formular.
Embora as pinturas sejam pobres e bastante simbólicas, reiterando este aspecto temático, nas
obras espaciais, inorganicidade e
dispersão formal se tornam uma
questão poética de fôlego. Mais
do que referências à vida tradicional, estes objetos aparecem como
ajuntamentos de materiais ativos,
que, em si mesmos, não guardam
conteúdos simbólicos.
Os iglus se ajeitam no espaço
com a precariedade de quem está
sem eira nem beira. É certo que na
Pinacoteca eles aparecem mais
polidos do que o usual, mas a tentativa formal de buscar o mínimo
de subordinação dos materiais é
evidente. Os objetos são grandes e
expansivos, compostos por grandes cacos e lâminas de vidro e pedra. Encostam-se numa estrutura
circular e gradeada de ferro.
Apóiam-se nela e nas morsas sem
seguir o seu perímetro à risca,
sem ordem predeterminada nem
hora de acabar. E vidro se apóia
em vidro, proliferando uma ordem estranha à linearidade do
gradeado e à assepsia do espaço
expositivo. No trabalho mais forte
da mostra, "Movimentos da Terra
e da Lua sobre um Eixo", dois
iglus se irradiam centrifugamente
até se tangenciarem.
O curioso é que uma das formas
guarda outro iglu em seu interior.
Esta peça de vidro tem caráter
mais expansivo. Irradia-se pelo
espaço e lança luz de tubos de
néon do seu centro. O outro iglu
maior, onde se apóiam as pedras,
faz o movimento inverso, projetando sombra no seu interior. Um
vai ao encontro do outro e ambos
buscam ampliar o que guardam
de brilho e de escuridão.
Curiosamente, quando ocupam
o mesmo espaço, não entram em
disputa e nem submetem um ao
outro. Tentam, a partir da interseção, estabelecer harmonia. O que
era para ser periférico ganha centralidade e exige um rearranjo dos
esteios para acomodar estes materiais que se agrupam a esmo.
Merz busca esteios harmônicos
antiautoritários diante da convivência de materiais irregulares e
insubmissos. Ao mesmo tempo
em que produz o acidente, contamina o espaço e o redescobre heterogêneo. Através de suas arestas, o lugar foge da monotonia.
Mario Merz
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz,
2, Bom Retiro, tel. 229-9844)
Quando: de ter. a dom., das 10h às
17h30; até 23/3
Quanto: entrada franca
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