São Paulo, Quarta-feira, 02 de Junho de 1999
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Paulo Pasta exibe mundo suspenso que não se pode ver

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O artista Paulo Pasta em seu ateliê, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, cercado por duas das telas que ele expõe a partir de hoje na galeria Camargo Vilaça



Artista abre hoje mostra de pinturas "veladas" na galeria Camargo Vilaça


CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local

Se algum dia fizessem uma escavação arqueológica nas telas de Paulo Pasta achariam, lá no fundo, um poema de Manuel Bandeira que diz: "Vão demolir esta casa. Mas meu quarto vai ficar, não como forma imperfeita neste mundo de aparências: vai ficar na eternidade, com seus livros, com seus quadros, intacto, suspenso no ar".
Essa pode ser descrita como a essência da pintura de Pasta, que expõe a partir de hoje na galeria Camargo Vilaça.
Como já escreveu o crítico Rodrigo Naves, no livro "Artistas da USP - Paulo Pasta" (Edusp), "nada que se mostre imediatamente interessa à pintura de Paulo Pasta". Pintar seria velar, esconder.
Isso fica claro nas nove telas de grandes dimensões em exposição. Integrantes da mesma família de trabalhos que Pasta mostrou em uma sala especial na Bienal Internacional de São Paulo de 1994, funcionam quase como negativos de obras pop de Andy Warhol.
"Em lugar de apresentar o mundo como película, Paulo Pasta fixa uma membrana sobre as coisas, espessando-as e pondo-as ao abrigo de uma exposição exagerada", escreve Naves.
Por trás dessa "membrana", Pasta esconde uma espécie de "mundo suspenso". Intacto nesse ambiente interno de seus quadros, está a sensação que ele teve quando, aos 12 anos, deprimido, conheceu a pintura. Foi com essa idade que ele ganhou de sua mãe uma assinatura da série de fascículos "Gênios de Pintura" e decidiu que queria ser artista. Leia a seguir trechos de entrevista com o artista.

Folha - Em texto publicado no livro "Artistas da USP - Paulo Pasta", o sr. diz que seu primeiro contato com a pintura, quando ainda tinha 12 anos e estava com depressão, o "religou". O sr. enxerga a pintura como uma religião?
Paulo Pasta -
Henri Matisse tem uma frase bonita que diz: "Acredito em Deus quando eu trabalho". Também tenho essa sensação. O trabalho é que me salvou. Eu estava muito deprimido. Aí fui tomado pela pintura. Não tenho intimidade com muita coisa, mas a pintura não teve nenhum segredo para mim. Ela logo se mostrou inteira. Fui uma criança velha.
Folha - E o sr. ainda consegue se enxergar como a criança que descobriu a pintura?
Pasta -
Hoje é isso que me salva. É sentir a mesma emoção. Paul Cézanne falava que, quando você está desacreditado consigo, é na origem de sua vocação, na origem das sensações, que se deve buscar as forças. Então vou acabar sendo criança quando ficar velho. Vou bagunçar tudo, desorganizar tudo.
Folha - Como no conto do escritor norte-americano Scott Fitzgerald, em que que o sujeito nasce velho, com barba branca, e vai regredindo até virar criança?
Pasta -
(Risos) É o melhor jeito de morrer. O ideal seria ir ficando mais jovem até entrar de novo para um útero, um ovo original.
Folha - O sr. ainda enxerga sua pintura como "um aprendizado para morte", como disse em entrevista no livro "Artistas da USP"?
Pasta -
Existe aquela poesia do Manuel Bandeira que diz: "Quando a indesejada das gentes chegar (...)/Encontrará lavrado o campo, a casa limpa/A mesa posta/Com cada coisa em seu lugar". Tudo organizado. Por que você põe ordem nas coisas? Com medo do imprevisto. Parece que você está preparando o futuro. O que é o imprevisível, o futuro? É a morte. É aquilo que você não conhece. Nesse sentido é que existe em minha pintura essa vontade da permanência, de que tudo esteja bem. E isso é um jeito de estar morto. Por que a vida é precária, descontínua.
Folha - O sr. acha sua obra feliz?
Pasta -
Creio que minha pintura tem um certo desapontamento. Acho que, se uma coisa quer ser tão ideal, ela já se coloca fora do normal do mundo, que é a bagunça, o improviso. Se quero que minha obra seja ordenada, como acho que é, pago um preço por isso. O preço do desapontamento. Mas eu queria fazer uma obra feliz.
Folha - Como o sr. explicaria para algum sujeito sem nenhuma familiaridade com as artes, que entrasse ao acaso na galeria, por que o sr. pinta da forma como faz?
Pasta -
Não sei. Creio que tentaria conversar com ele. Perguntaria o que ele está vendo. Conversaria sobre suas experiências. Mas não sei se a minha pintura é para leigos. Nesse sentido, o que é bacana no Brasil é a MPB. É de grande qualidade e muito disseminada. Já as artes plásticas brasileiras têm um divórcio com o grande público.
Folha - E qual o papel do artista nessa separação?
Pasta -
Creio que não cabe a ele baratear. Já fizeram muito disso na história da arte. Há, por exemplo, o muralismo mexicano. No Brasil, nos anos 60, quando havia o movimento de luta política, o pop também ganhou essa cara. Se nos EUA o pop deveria ser cínico, aqui ganhou um peso moral. A imagem tinha que ser engajada politicamente. O pop daqui saiu empobrecido.
Folha - Existe em sua obra uma certa timidez formal. É uma pintura com poucos elementos. Por outro lado, há nela uma cor nada tímida, bastante comum ao pop. Como o sr. concilia isso?
Pasta -
A minha maior dificuldade é fazer a ligação entre as cores, para não causar brusquidão, para que tudo fique em seu lugar. Desse modo, minhas formas vão todas para o fundo. Ficam pacificadas demais. A cor não. Acho que por isso é que uso cores fortes. Por que alguma coisa tem que vir. É a cor.
Folha - É por isso que o sr. diz que sua obra é a criação de um lugar?
Pasta -
Sim. É por isso que digo que minha pintura não é abstrata. É por isso que preciso pintar olhando para algo. Outro dia, uma amiga minha me lembrou de uma coisa que falei para ela. Quando eu olho para as estrelas, eu não fixo na estrela, eu fico pensando no buraco em que elas estão.


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