São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004 |
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TEATRO Dramaturga subverte o mito e dá contornos políticos à personagem de Eurípides, interpretada por Leona Cavalli Consuelo de Castro cria Medéia pacifista
DA REPORTAGEM LOCAL A natureza vingativa e sanguinária da Medéia retratada por Eurípides, o poeta grego do século 5 a.C., ganha contornos políticos na adaptação que Consuelo de Castro traz a público. Em "Memórias do Mar Aberto -°Medéia Conta sua História", cuja montagem pré-estréia hoje para convidados no teatro Sérgio Cardoso, a personagem não é impulsionada apenas pelas desrazões do coração, mas também por convicções ideológicas. "Minha Medéia não é traída só pelo amor de Jasão a uma outra mulher, mas por uma aliança política espúria dele com o rei Creonte", diz Castro, 58. A Medéia que ajuda Jasão a conquistar o tosão ou velocino (lã de carneiro), símbolo de poder guardado na Cólquida por um dragão, o faz não para devolvê-lo à Grécia, a crédito de um trono, e sim em nome da "profecia de que o tosão é um símbolo da paz e, portanto, seria missão deles fincá-lo na fronteira do Oriente com o Ocidente". A dramaturga evoca esses dois mundos para lembrar a histórica relação bélica que vem de séculos. Jasão, por fim, não leva o tosão à fronteira almejada por Medéia. Entrega-o a Creonte, para ter com sua filha, Glauce, e, por tabela, com o trono. "É uma corrupção inclusive pobre, mesquinha. Jasão a trai como guerreira e como mulher", diz Castro. Para a diretora Regina Galdino, trata-se de um texto contemporâneo que comporta as dimensões do trágico e do épico. "Temos uma Medéia prometéica, no sentido de querer levar a luz à humanidade, a paz, como Prometeu fez ao roubar o fogo dos deuses", diz Galdino, 41. Em sua opinião, Consuelo procura subverter o mito da leitura mais conhecida de Eurípides, a da mulher que mata os filhos por ciúme, por vingança. Outros autores já deram sua contribuição, como Heiner Müller ("Medeamaterial") e Chico Buarque ("Gota D'Água"). Medéia é incondicional ao ancorar utopias. A face pacifista chama a atenção da atriz Leona Cavalli. "É uma mulher que se entrega plenamente, dá tudo o que tem de mais importante por uma paixão arrebatadora, trai a pátria, sacrifica os filhos, se culpa, mas a trajetória vai transformá-la e libertá-la", diz Cavalli, 33. No papel de Jasão, aqui um democrata medíocre, Cássio Scapin depara com um "herói caído, cansado" e ressalva o cuidado com a figura do herói no mundo contemporâneo. "No Oriente Médio, os caras que atiram bombas ou explodem a si mesmos em ônibus são considerados heróis para alguns", diz Scapin, 39. Francarlos Reis, como rei Creonte, quer emprestar humanidade ao "rei amoral". "Não importa o adjetivo que se dê, as coisas são a gente", diz Reis, 62. Na temporada, durante todas as quintas-feiras, haverá espetáculo fechado para entidades sociais, seguido de debate com personalidades que vão tratar de temas como "Paixão Utópica e Paixão Amorosa", "Violência e Responsabilidade" e "Ética na Política e na Arte". (VALMIR SANTOS) MEMÓRIAS DO MAR ABERTO - MEDÉIA CONTA SUA HISTÓRIA. Adaptação: Consuelo de Castro. Direção: Regina Galdino. Com: Gustavo Trestini, Rubens Caribé, Vanessa Bruno e outros. Onde: teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 288-0136). Quando: pré-estréia hoje, para convidados; a partir de sex. para o público; sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 4/4. Quanto: R$ 20. Patrocinadores: Caixa, Correios, Petrobras e Ourocard. Próximo Texto: Atriz refaz Joana d'Arc por dentro Índice |
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