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SHOW - CRÍTICA
Bethânia faz tempestade desabar fora de tempo
da Reportagem Local
Maria Bethânia costuma fazer alguns dos grandes espetáculos ao
vivo de música popular brasileira.
Seu novo show, "A Força Que
Nunca Seca", não é um dos grandes espetáculos de Maria Bethânia.
Todos os ingredientes dos ritos
dionisíacos que ela costuma promover estão presentes: a coordenação do diretor teatral e parceiro
antigo Fauzi Arap, poemas fortes
intercalando canções, o canto estrondoso, os segmentos de justaposição ideológica de breves canções, a música de fundo que já sobe
por entre os aplausos entre canções, os pés nus, as idiossincrasias.
Quando ela entra, cantando "Gema" (81), do irmão Caetano, sabe-se de antemão que o milagre irá se
consumar. Ninguém canta como
Bethânia. Nem nessa noite.
Mas alguma coisa arrefece o astral de "A Força Que Nunca Seca",
desde muito cedo. O magnífico
segmento "água" do show "Rosa
dos Ventos" (71) é reproduzido
ponto por ponto, rendendo um
dos mais belos momentos da noite:
o de "O Tempo e o Rio", que ela
gravara num -hoje obscuro, apesar de fundamental- disco em
parceria com Edu Lobo, de 67.
Só que o segmento parece fora de
lugar, solto -ainda que as razões
escapem ainda da razão. Ele segue
com outros temas aquáticos, como
"Dois de Fevereiro", de Caymmi.
Deságua num duplo Villa-Lobos,
matizado com "Luar do Sertão",
"Azulão" e a prosaica "Romaria".
Mas aí os pingos do "fora-de-lugar" começam a quicar no chão inclinado do palco. "Iansã" (72)
-rainha dos raios-, ponto de
força de sua carreira, surge num
arranjo estragado, pintado de eletricidade que antes vinha da voz.
Foi a tempestade que caiu, e o
primeiro ato vê o dia amanhecer,
pós-tormenta. Ocorre que é erro
de "timing", pois até aí era só sopro. Seguem-se Roberto Carlos, a
bela e recente "Não Tenha Medo",
"Mel" (79) em arranjo excessivamente percussivo (como é, de resto, muito do show).
Só agora irá de fato desabar o
aguaceiro. É o amor, "É o Amor", é
o amor. A dama deita e rola no deleite da pronúncia da palavra
"amor", o povão brega-chique da
platéia canta em coro.
É horrível. Assombrações do
mundo cão -Zezé di Camargo,
Xuxa, Roberta Miranda, Hebe, Sazon, Maluf, Ratinho- contaminam o cenário natural do Brasil interior que Bethânia quer desnudar.
Quando Antunes Filho, há poucos anos, encerrava "Vereda da
Salvação" com "Pense em Mim",
fazia feroz denúncia do Brasil collorido, corrupto, indigente. Em
Bethânia, placidez, dinheiro e "É o
Amor", não há cisto de denúncia. É
adesão firme e forte -ainda que
por omissão- ao Brasil FHC, corrupto e indigente. Dela não se esperava isso. Não dela.
Bethânia nunca haverá de afirmá-lo, mas então fica evidente que
ela já estava constrangida desde o
início. Era isso: "É o Amor", roupas brega-chiques de madame, Silvia Poppovic na platéia.
A dama vai ainda tentar restabelecer a ordem perdida, usando Ivone Lara ("Sonho Meu"), tropicália
("Marginália 2", de Gil e Torquato
Neto, em que ratifica o Brasil "é o
amor" gritando que "aqui é o fim
do mundo" -é mesmo, Bethânia), sinceras percussões em balde
e, é óbvio, Chico Buarque.
Adere às míticas "Missa Agrária"
e "Carcará" (65) a recente "Assentamento", de Chico, querendo fazer política. Evoca o grande irmão
de "João e Maria", querendo fazer
política. Erra letras e entradas (como sempre), política e estabanada.
De repente, comete a suprema
ousadia. Canta o que ninguém
mais ousa cantar, a supostamente
datada "Roda Viva" (68), de Chico.
Aí é independente, aí despreza o
convencional. Tarde demais.
Declamando o "Navio Negreiro"
de Castro Alves, ainda dará banho
de dramaticidade e convicção. São
fagulhas -esse não é um show de
êxtase, como é praxe. Bethânia está
comprometida, como nunca antes.
E não gosta disso, tanto que entrega ao público seu desconforto. É
uma dama. E canta divinamente.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Avaliação:
Show: A Força Que Nunca Seca
Artista: Maria Bethânia
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, Moema,
tel. 531-4900)
Quando: qui., às 21h30, sex. e sáb,, às 22h, e
dom., às 18h; até 20 de junho
Quanto: R$ 30 a R$ 70
Patrocínio: Mastercard
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