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TEATRO/CRÍTICA
Excesso de pompa ameniza o impacto do texto de Neil LaBute em montagem de Monique Gardenberg
Embalagem luxuosa tira a força de "Baque"
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Quando Monique Gardenberg surgiu como diretora
em "Os Sete Afluentes do Rio
Ota", uma interessante polêmica
foi levantada: não estaria ela agindo ainda apenas como produtora,
ao importar um espetáculo já
pronto? O endosso de público e
crítica provou que não. Primeiro
porque os atores não reproduziam uma fórmula pré-moldada e
imposta por contrato (como no
teatro Abril, que só contenta
aqueles que têm com teatro a
mesma exigência que têm com
pizzarias). Com performances
inesquecíveis, um elenco de estrelas reatualizava a experiência dos
atores da cia. de Robert Lepage,
endossando o espaço que a diretora/produtora lhes confiava.
Por outro lado, a eloqüência da
cenografia, com monitores de TV
e palcos simultâneos, nunca era
gratuita. Constituía o vocabulário
de Lepage. Em sua segunda direção, no entanto, "Baque", peça de
Neil LaBute composta de três monólogos, as exigências são diferentes, e para elas a qualificação
de Gardenberg é bem menor.
Como já provou em seus filmes,
a força de Neil LaBute está nos
diálogos incisivos, nas situações
despojadas nas quais um pequeno desvio de conduta pode revelar abismos de crueldade. Assim,
o bom mocismo com o qual a platéia de início se identifica é destruído por revelações bruscas do
preço que cada personagem pagou pela felicidade aparente. Tais
"baques" têm peso diferente: em
"Ifigênia em Orem", um executivo, entre a morte da filha e a promoção, é devorado pela culpa; em
"Um Bando de Santos", um casal
de caipiras se torna assassino para
preservar a pretensa ordem puritana do mundo.
No primeiro monólogo e no segundo (que na verdade são dois
monólogos sobrepostos), o cenário serve apenas para assinalar
que os personagens vêm da classe
alta. Nada deve distrair o público,
nesse despojamento de tragédia
grega, do desmascaramento progressivo de uma classe que tenta
varrer a culpa sob uma ideologia
na qual o fim justifica os meios.
Por isso, o bar inicial, indicado
por garrafas no projeto do cenógrafo-arquiteto Isay Weinfeld,
ainda pode soar quase como uma
ironia, o sofisticado camuflando o
infame. Mas esse efeito é garantido pela grande performance de
Emílio de Mello, que sabe dosar
tons, aprofundar pausas e revoltar ao mesmo tempo que comove,
na dialética da catarse grega.
Na segunda peça, o espetáculo
se perde. A adaptação de Geraldo
Carneiro erra feio ao ambientar a
trama (um casal de mórmons de
Utah deslocados no cosmopolitismo e tolerância sexual de Nova
York). Transfere para paulistanos
no Rio de Janeiro e troca uma perturbadora discussão religiosa por
uma disputa tola, justamente em
um momento no qual o puritanismo religioso é relevante, especialmente no Rio de Janeiro.
O cenário, então, se perde em
luxos inúteis, com projeções redundantes, embora belas. Os atores, desta vez, não seguram, e o
tom caricatural gera o riso mais
do que a indignação.
O terceiro monólogo contrasta
com os outros e parte de um personagem excluído, uma mãe solteira quase adolescente. O esforço
para a atriz deve ser bem maior
para não cair na performance pela
performance, e infelizmente Deborah não escapa à armadilha.
O esmero da produção raramente é motivo de demérito de
um espetáculo. Neste caso, no entanto, a montagem corre o risco
de amenizar o impacto das palavras por um excesso de luxo e, por
fim, soar mais como um endosso
que como um desmascaramento.
Baque
Onde: teatro Vivo (av. Dr. Chucri Zaidan,
860, Morumbi, tel. 3188-4141)
Quando: sex., 21h30; sáb., 21h; dom.,
18h; até 30/10
Quanto: R$ 40
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