São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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MÚSICA

Festival punk de 1982 ganha reedição 20 anos depois sob o comando dos mesmos organizadores e com bandas novas, vídeos, debates e exposições

Construtores do Fim do Mundo

Flávio Florido/Folha Imagem
A partir da esq., os organizadores Meire e Antonio Bivar, o vocal do Cólera, Redson, e Tel e Julio, da banda Os Cachorros, em frente a exposição de Vânia Toledo


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

A profecia não se cumpriu. Ao contrário do que anunciavam em 1982, no histórico festival O Começo do Fim do Mundo, os punks de São Paulo têm, de hoje até o próximo sábado, o maior evento dedicado ao gênero que a cidade já sediou.
Parte da 2ª Semana Jovem, promovida pela prefeitura, O Fim do Mundo leva ao palco da Casa de Cultura Tendal da Lapa nada menos do que 62 bandas punk da capital e de outros Estados, além de uma série de debates, exibições de vídeos, lançamento de fanzines e mostras fotográficas.
Segundo o músico Ariel, 42, integrante daquela que é considerada a primeira banda do estilo no país, a Restos de Nada, formada no final de 1977, "é o segundo maior festival punk do mundo", só perdendo para o inglês Hollydays in the Sun -que reuniu 120 grupos em sua última edição.
A responsabilidade de abrir os shows de hoje está nas mãos do Cólera, que para os fãs do estilo dispensa credenciais, mas que, enfim, é um dos mais respeitados nomes do punk brasileiro, em seus 23 anos de atividade.
"Encaro o punk como um movimento social, cultural e político. Infelizmente não dá para viver só de música, mas isso só nos incentiva a lutar e a vencer barreiras", afirma Redson Lopes, 40, vocal e guitarra do Cólera, primeira banda de rock nacional a fazer uma turnê na Europa, em 1986.
Não menos ilustres, apresentam-se ainda hoje o DZK e os Excomungados -cujos membros também ajudaram a fazer a história do movimento naquele novembro de 1982-, tocando ao lado de nomes relativamente novos como os pernambucanos do Os Cachorros e as garotas do Infect.
"Muitas bandas estavam paradas nestes 20 anos e voltaram a ensaiar só para esse festival", conta Ariel. É o caso do Lixomania, dos cariocas do Eutanásia e do próprio Ulster, outro grupo seminal da cena punk de SP.
Dos nomes da nova geração, que troca os tiozinhos do Sex Pistols pelos moicanos tatuados do Rancid, NOFX e de outros grupos do punk californiano, uma boa amostra pode ser conferida na próxima quarta-feira, nos shows de Holly Tree, Lambrusco Kids e Mingau Matador, banda que tem em sua formação Erik Ramos, filho do punk veterano Ariel.
"Acho as bandas novas musicalmente muito mais interessantes, com letras boas e criativas, que não ficam só repetindo os clichês do punk", diz Antonio Bivar, 62, idealizador de O Começo do Fim do Mundo, de 82, e autor de diversos livros sobre o gênero.
Assim como Lopes, Bivar considera o movimento não só em suas características musicais, mas principalmente em sua relação com a contracultura. "O punk foi um divisor de águas. Sua atitude influenciou diversas correntes, como o próprio hip hop, que é uma espécie de "punk negro"."
Daí que O Fim do Mundo aposta suas fichas na chamada "cultura punk". Além da exibição de vídeos, que retratam diversas épocas do movimento no Brasil, o evento contará com debates sobre política e desobediência civil e o lançamento do segundo número do fanzine "Cadernos da Sarjeta", produzido durante uma oficina preparatória para o festival.
"O punk teve também de se adaptar à globalização", opina Ariel, que, se há 20 anos lutava contra o fantasma do regime militar, hoje apóia manifestações contra a Alca e pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional. "A produção está a mil: temos poesias, fotos e até um artista plástico [André Araujo" que focam suas atenções no movimento."

O caos adiado
Não é à toa que O Começo do Fim do Mundo é considerado o pontapé inicial da cena punk. Se revelou bandas como o Cólera, os Inocentes e os Ratos de Porão (trio responsável pelo histórico registro fonográfico "Grito Suburbano", também de 82), o festival realizado no então recém-inaugurado Sesc Pompéia chamou a atenção do jornal americano "Washington Post", rendeu quatro páginas na bíblia independente "Maximmum Rock'n'Roll" e uma reportagem no "Fantástico" que mostrava menos o som e mais as brigas dos punks com os futuros "carecas do ABC".
Em comemoração dos 25 anos de punk no mundo, Bivar e Ariel reuniram-se, no ano passado, para outro festival. A Um Passo do Fim do Mundo, que será mostrado em vídeo durante o evento, reuniu 8.000 pessoas e provou que o movimento ainda está longe de presenciar seu apocalipse.



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