São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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Centro esquece murais de Di

Feitos nos anos 50, painéis de Portinari e Di Cavalcanti são ameaçados pela falta de conservação

Prédios da região central de São Paulo reúnem bom acervo que casa as artes plásticas e a arquitetura da fase modernista

Tuca Vieira/Folha Imagem

Fachada do hotel Jaraguá, na rua Martins Fontes, com mural feito por Di Cavalcanti, que presta homenagem à imprensa; painel é dos mais bem conservados entre os realizados pelo artista

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos anos 50, um grupo de prédios erguidos no centro de São Paulo formou uma pequena pinacoteca pública, praticamente a céu aberto. Arquitetos modernistas convocaram artistas plásticos, como Portinari e Di Cavalcanti, para desenvolver murais que dialogavam com as formas ousadas de suas construções.
Como boa parte do centro da cidade, esses murais estão esquecidos. Em muitos casos, estão a um passo de se perder como patrimônio. "Já encontrei murais que foram demolidos, pintados por cima, emparedados ou cobertos, como se fossem uma peça de decoração que ninguém mais quer", diz a arquiteta Isabel Ruas, que fez sua dissertação de mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP sobre os murais dos anos 50.
Um dos melhores exemplos está a dois quarteirões da prefeitura, no calçadão da rua José Bonifácio: uma obra em "vidrotil" (mosaico de vidro) de Di Cavalcanti que retrata os trabalhadores do café. Criado especialmente para a entrada do edifício Triângulo, projetado por Oscar Niemeyer em 1951, ele se encontra remendado.
Algumas das pastilhas brancas, roxas e azuis caíram e foram substituídas por várias cor de gelo. "Infelizmente, muitos condôminos e visitantes do prédio nem sabem desse mural", diz Everaldo dos Santos, zelador há dez anos. Segundo ele, a obra foi adulterada há cerca de 11 anos.
A alguns quarteirões dali, está o segundo maior mural -e um dos raros abstratos- da carreira de Cândido Portinari. Com 20 m de largura e 6 m de altura, ocupa boa parte da galeria Califórnia, projetada por Niemeyer.
"O tombamento de alguns desses prédios protege apenas a fachada e alguns elementos internos, mas sem fazer menção aos murais", diz a arquiteta Mirthes Baffi, do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura. "É uma pena porque eles eram elementos importantes na concepção desses prédios. O modernismo queria casar várias artes."
Baffi se lembra de vários casos dessa integração. "O paisagismo de Burle Marx e os painéis de Portinari, Di Cavalcanti e de Athos Bulcão nos prédios do Niemeyer eram perfeitamente integrados com a criação arquitetônica." Duas das construções mais emblemáticas do século 20 no Brasil, o antigo Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, e a igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, contam com grandes painéis em azulejo de Portinari.
"Os murais não estavam ali para ocupar um pedaço da parede. Eles definiam uma superfície inteira, criavam novos espaços com destaque", diz Ruas.

Reforma
Mas ela acha que o pior já passou e dá vários exemplos de murais em bom estado ou restaurados nos últimos anos, como os de Di Cavalcanti nas fachadas do hotel Jaraguá e do teatro Cultura Artística.
Um passeio pela avenida Higienópolis, entre a rua Itambé e a avenida Angélica, revela vários prédios residenciais modernistas que possuem murais bem conservados nas fachadas.
O avanço da tecnologia permitiu que um painel de Portinari fosse retirado e restaurado em 2004. "Bandeirantes", de quase 8 m de largura, ficou durante cinco décadas decorando o bar do hotel Comodoro.
Renovado, foi colocado à venda e esteve em exposição na Bolsa de Mercadorias e Futuros no mesmo ano. Mas, em tempos nos quais os adornos favoritos de prédios da elite são pirateados de palacetes franceses, o mural modernista ainda não achou comprador.


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