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Crítica/"Um Sonho"
Peça de Strindberg segue tradição simbolista
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Strindberg, em geral, é associado apenas a sua fase
realista, na qual o aprofundamento psicológico dos
personagens e a preocupação
com detalhes materiais o leva,
no prefácio de "Senhorita Júlia", a recomendar que os atores engraxem os sapatos, já que
a platéia estava cada vez mais
perto. Para dar conta dessa nova maneira de interpretar, Antoine na França e Stanislavski
na Rússia desenvolveram parâmetros que até hoje são predominantes.
No entanto, e justamente a
partir deste "Sonho", de 1901,
Strindberg mergulha de vez no
simbolismo: a narrativa se faz
por associação livre, e os personagens são arquétipos quase
religiosos, figuras de tarô. Dizer
que a protagonista Agnes é a filha do deus Indra que vem à
Terra para observar os homens
não é um resumo da trama, é
uma informação prévia que pode ou não ser necessária, em
um universo no qual admiradores esperam a vida inteira à
porta dos teatros e chaveiros
são chamados para abrirem
portais para o infinito.
Como devem representar os
atores no teatro simbolista?
Em oposição a Antoine, Lugné-Poe propunha declamações solenes que lhe valeram o apelido
de "clérigo sonâmbulo". Não
por acaso, talvez o primeiro espetáculo de teatro contemporâneo tenha sido a versão de
Artaud para o "Sonho", que
considerava a base literária de
Strindberg apenas como um estímulo para uma criação plástica em cena. A partir de então, a
autoria do espetáculo passava
do ator para o encenador.
É nessa tradição que se insere a atual versão de André
Guerreiro Lopes. Embora compartilhe o palco com seus atores, Lopes faz valer sua experiência no audiovisual para
criar uma encenação que privilegia o impacto plástico. Tem
para isso uma equipe impecável, com Lívio Tragtemberg na
trilha original, Carlos Ebert na
iluminação, e um projeto de cenário de Beto Manieri que remete à desolação dos quadros
de De Chirico.
Um espetáculo belo sem dúvida, mas de uma beleza que
acaba se tornando um fim em
si, um beco sem saída. Djin
Sganzerla tem um porte mesmo de anjo; o figurino do poeta,
representado por Flávia Pucci,
estampado com letras de ouro,
é requintado; impressiona a
precisão de movimentos de Helena Ignez.
Porém, assim como a extinção da exigência de se contar
uma história no balé moderno
não fez a arte da dança equivaler à da ginástica rítmica, não
basta a declamação apaixonada
para o teatro simbolista. Não há
angústia nesse "Sonho", pouco
se compartilha com os atores
além de sua habilidade de tecer
personagens instantâneos e
improváveis, e o que acaba prevalecendo são os sapatos bem
engraxados, não a direção dos
passos.
Formado em Londres, André
Guerreiro Lopes tem uma habilidade a demonstrar, e faz
desse "Sonho" o seu portfólio.
Sendo sua primeira encenação
por aqui, é promissora. Mas
mais se espera da próxima vez.
UM SONHO
Texto: August Strindberg
Direção: André Guerreiro Lopes
Com: Helena Ignez, Djin Sganzerla, Renato Dobal, Flavia Pucci e outros
Onde: Sesc Paulista
(av. Paulista, 119,
12º andar, Bela Vista, tel. 3179-3700)
Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às
18h; até 24/6
Quanto: R$ 7,50 a R$ 15
Avaliação: regular
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