São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006

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Mostra revela relação de Brecht com o cinema

Filmes representam história de amor e ódio do dramaturgo com a sétima arte

Seleção na Cinemateca inclui filmes baseados em peças do escritor e experiências do alemão como roteirista e diretor


Divulgação
O dramaturgo Bertolt Brecht com sua mulher, Helen Weigel


SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Brecht no cinema: à primeira vista, o tema da retrospectiva realizada pela Cinemateca Brasileira soa como uma contradição em termos.
A apropriação indébita de "A Ópera dos Três Vinténs" pelo cinema burguês rendeu um processo de Brecht contra o diretor Pabst, então ex-ator de vanguarda e futuro colaborador de Goebbels. A recusa de ser diversão para as massas, registrada no seu livro "O Processo do Filme "A Ópera de Três Vinténs': Uma Experiência Sociológica", levou Brecht a radicalizar a proposta do teatro didático. No entanto, anos depois, no exílio americano, junto do círculo de cinema socialista de Upton Sinclair, escreveu vários roteiros -que Hollywood esnobou, como fizera com Eiseinstein.
Essa relação de amor e ódio de Brecht com o cinema está bem representada na mostra. Deixa de lado o filme de Pabst e apresenta a experiência americana apenas com o documentário "Meu Nome é Bertolt Brecht...", de Bunge e Fischer-Defoy, mas se concentra no que Brecht tem de melhor: o registro de seu processo de trabalho, com resultados e fórmulas sempre revistas.
Assim, mais do que as adaptações para a tela de suas peças, como o "Sr. Puntilla...", de Alberto Cavalcanti, ou a "Mãe Coragem...", de Palitzsch e Weckwerth, o interesse da mostra está em "Syberberg Filma o Trabalho de Brecht", de Hans Jürgen Syberberg.
É uma aventura. Em 1953, o cineasta, aos 17 anos, consegue a permissão do mestre para registrar seus ensaios do Berliner Ensemble. A falta de recursos -ele tinha só uma câmera de 8 mm-, mais que um empecilho, foi um atrativo para Brecht.
Apresenta assim, de forma quase tosca, o "Sr. Puntilla", na versão de 1949, "A Mãe" (1951), e sobretudo o "Primeiro Fausto" (1952), que tanta polêmica causou por contrariar os interesses do governo comunista de então em querer impor os clássicos alemães como apóstolos da estética socialista.
A inexperiência de Syberberg talvez tenha lembrado a Brecht sua própria juventude, quando filmava junto a Erich Engel o ator de cabaré Karl Valentim em filmes mudos de humor grotesco -período que também pode ser conferido em "Os Mistérios de uma Barbearia" (1923). Era essa inocência, esse humor anárquico popular que tanto seduziu os surrealistas, que Brecht queria reencontrar na obra de Goethe, mais do que a adoção de uma estética oficial e congelada em doutrinas.
Desobediência ao Partido é o mínimo que se espera de um grande artista. Talvez por isso Brecht prezava ser cercado por jovens. A mostra revela -refrescando o conceito de "teatro brechtiano"- um processo de trabalho cheio de alegria, registrado nos "Filmes domésticos" (1928-29), e no "Curta-Metragem" (1953). Que Brecht seja lembrado pelo humor, no cinema ou no palco: é a melhor homenagem que se deve a ele.

RETROSPECTIVA BERTOLT BRECHT NO CINEMA
Onde:
Sala Cinemateca (lgo. Sen. Cardoso, 207, tel. 5081-2954)
Quando: de hoje a dom.
Quanto: R$ 8


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