São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003 |
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TEATRO Atriz protagoniza "A Paixão Segundo G.H.", romance da escritora, encenado a partir de hoje no Sesc Belenzinho Lima encampa "desarrumação" de Clarice
VALMIR SANTOS DA REPORTAGEM LOCAL Estão no quarto da empregada: o diretor, a atriz, a personagem G.H e as palavras da escritora Clarice Lispector (1920-1977). O ensaio técnico, a seco, não esmorece Mariana Lima do domínio das abstrações e sentimentos que ecoam entre paredes brancas, conforme as partituras física, vocal e cênica concebidas ao lado do diretor Enrique Diaz. A partir de hoje, 60 espectadores compartilham o monólogo de Lima para "A Paixão Segundo G.H.", romance de 1964. As sessões acontecem no Sesc Belenzinho. Antes de chegar ao quarto, o público terá caminhado pelo bem organizado closet, de roupas, sapatos e acessórios; percorrerá ainda um longo corredor de paredes igualmente brancas. São antecâmaras da desarrumação que G.H. empreenderá no quarto da empregada que se despedira no dia anterior. Intérprete e encenador desejam proporcionar experiência de suspensão análoga à vivida pela personagem de Clarice, uma escultora de iniciais G.H.. Naquela manhã, no vazio do quadrilátero, ela encontrou clareza em meio à escuridão e mofo presumidos. "O projeto nasceu mais como experiência do que vislumbre em montar uma peça", diz Mariana Lima, 30. Leitora de Clarice desde a infância, nunca esboçara levá-la ao palco, tampouco defender um romance seu em monólogo. Involuntariamente, em 2001, ela reuniu amigas para ler textos da autora em voz alta. Mas foi o dramaturgo e diretor Fauzi Arap, colega de Clarice, quem lhe arrematou de vez, dono de uma adaptação que dormia na gaveta havia anos. Durante seis meses de ensaios, atriz, diretor e equipe de criação empreenderam vivências, workshop e improvisos para pisar o terreno clariceano do não-dito, do subtexto. "Como poderei... dizer... sem que a palavra minta por mim?", pergunta-se G.H. Pulso Lima mediu o pulso das falas por meio dos pontos, travessões, reticências etc. "A pontuação da Clarice é uma aula de interpretação. Dá a sensação de ela escrever sem respirar. A personagem parece querer alcançar um novo fôlego. Às vezes, eu fico parada, sem falar, tentando chegar ao silêncio dela", afirma. "É um espetáculo, também, da não-palavra", explica Enrique Diaz. O ambiente cenográfico de Marcos Pedroso traduz os labirintos de G.H. A luz de Guilherme Bonfanti quer ser de tal forma orgânica que até o abajur contracena com a personagem. O vídeo de Carolina alude a uma barata à Cronenberg (do filme "Naked Lunch"), "interlocutora" primordial na história. Somam-se Marcelo Neves (trilha) e Marcelo Olinto (figurinos) e estará configurado o projeto afetivo de Lima e Diaz, casados e ligados respectivamente ao paulistano Teatro da Vertigem (no qual ela atuou entre 1995 e 2002) e à carioca Cia. dos Atores (da qual ele é encenador e ator). "Equilibramos para não perder a Clarice ao fazer teatro, e não literatura", ressalva Diaz. A PAIXÃO SEGUNDO G.H. Texto: Clarice Lispector. Adaptação: Fauzi Arap. Direção: Enrique Diaz. Com: Mariana Lima. Onde: Sesc Belenzinho - teatro (av. Álvaro Ramos, 915, Quarta Parada, região leste, tel. 6602-3700). Quando: estréia hoje, às 21h, para convidados; e amanhã para o público em geral; sáb. e dom., às 21h. Até 1º/6. 60 lugares. 75 min. 14 anos. Quanto: R$ 20. Patrocinador: Banco do Brasil. Próximo Texto: Trecho Índice |
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