São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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TEATRO/"CHICAGO"

Montagem em cartaz no teatro Abril foi apresentada em Nova York nos anos 70 por Bob Fosse

Simulacro da Broadway é menos do mesmo

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Depois de passar por Hong Kong e Cingapura, "Chicago" finalmente chega a São Paulo para provar que a cidade tem artistas e produção de nível internacional. O teatro Abril, depois do promissor "Os Miseráveis" e do raso "A Bela e a Fera", tem aqui um desafio maior. Afinal, a brechtiana ironia de Bob Fosse (1927-87) fazia em 1975 uma saudável provocação à máquina de fama do showbiz da Broadway, com a fábula de Roxie Hart, a assassina que usa na prisão a atenção da mídia a seu processo para se lançar enquanto atriz.
Quase 30 anos depois, empalideceu bastante a ironia. A coreografia desta versão, "ao estilo Bob Fosse", "recriada" para o Brasil por Gary Chryst, chega mesmo a lembrar Bob Fosse às vezes, com dançarinos que têm pequenas brechas para mostrar sua competência de ginastas e aptos a falar textos curtos com desenvoltura, apesar da entonação e do ritmo serem tão rigidamente pré-moldados.
Mas para isso não é preciso ser ator: basta um treino com Wolf Maya. Bem diferente é o desafio de Adriana Garambone, que tem que conciliar canto, dança e interpretação sem demonstrar esforço, para dar conta da carismática Roxie. Sai-se bastante bem, merecendo atenções futuras, assim que sair da prisão de "Chicago".
Daniel Boaventura está confortável como o simpático canastrão Billy Flynn, o advogado corrupto, como estava confortável no Gaston de "A Bela e a Fera". Selma Reis sofre mais para adaptar sua elegância à vulgar carcereira Mama Morton, que uma tradução ao pé da letra torna mais constrangedora ("pode apostar sua bunda nisso"), e parece optar por simplesmente cantar bem.
Quem rouba o foco, ironicamente no papel do "invisível" e conformado marido traído Amos Hart, é Jonathas Joba, que sabe jogar com seus limites de dançarino e sua inteligência de ator para cair nas graças do público.
De modo inverso, Danielle Winits, a estrela por quem o público vem, faz a veterana atriz-presidiária Velma Kelly de modo pouco mais do que amador, apesar da partitura facilitada. Se houve um teste tão rígido como se alardeia e Winits passou nesse teste, há nele algum critério mal explicado.
Apenas a orquestra regida por Miguel Briamonte preenche completamente as expectativas. Com profissionalismo e prazer e sem ter nenhuma das "saídas triunfais" do elenco, mantém-se humildemente tocando enquanto o público sai. A comparação com o Titanic é inevitável.
É desalentador que, em uma cidade em que a criação teatral tem de depender de investimentos constrangedores e fugidios, milhões sejam aplicados para que uma platéia de elite possa ter menos do mesmo, em um simulacro de requentados sucessos da Broadway. Como diz Roxie, isso é showbiz, gente.


Chicago
 
Letra e música: Fred Ebb e John Kander
Direção: Scott Faris
Coreografia: Gary Chryst Com: Danielle Winits, Adriana Garambone, Daniel Boaventura, Selma Reis, Jonathas Joba e outros
Onde: teatro Abril (av. Brigadeiro Luís Antônio, 411, Bela Vista, região central, tel. 6846-6060)
Quando: quinta e sexta, às 21h; sábado, às 18h e às 22h; e domingo, às 18h; até dezembro
Quanto: de R$ 55 a R$ 135 Patrocinadores: Credicard, Volkswagen, Embratel, Alcoa



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