UOL


São Paulo, sábado, 05 de julho de 2003

Próximo Texto | Índice

DANÇA/CRÍTICA

Companhia apresenta no Municipal a coreografia "O Movimento Armorial", homenagem a Ariano Suassuna

Stagium aponta raízes de um país misturado

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
Ensaio de "O Movimento Armorial", coreografia que o Ballet Stagium dança hoje no Municipal


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Valores tradicionais do Brasil; história concreta em lugares abstratos; clássico, xaxado, coco, mamulengo, cordel e viola. "Stagium Dança O Movimento Armorial", que estreou quinta-feira no Municipal, resgata a própria essência da companhia. Desde o seu início, na década de 70, o Ballet Stagium está comprometido com um ideal político e humanista na dança: uma arte brasileira erudita, dialogando com as raízes populares da cultura do país.
O espetáculo é regido pelo roteiro musical, que vai do "Intremeio para Rabeca e Percussão" e "Rasga" de Antônio Nóbrega, passando pelo "Romance da Bela Infanta" de Antônio José Madureira e o "Pavão Misterioso" de Ednardo até as "Bachianas Brasileiras nš 5" de Villa-Lobos (1887-1959) e "Morte de Amor de Tristão e Isolda" de Wagner (1813-83). A mistura de estilos é da essência mesmo do estilo de misturas do Stagium. O país, por acaso, não é misturado?
Na primeira cena, uma visão do mundo contemporâneo, aliada à fé católica: Nossa Senhora, Diabo e cangaceiro. Fazendo pensar nas formas medievais, de religiosidade direta e irreverente, imagens como essas são postas lado a lado com a dança moderna. Máscaras -inspiradas no artesão Mestre Vitalino (1909-63)- cobrem os rostos dos bailarinos, para dar uma cara às recriadas festas do interior. Tudo faz par com o teatro de Ariano Suassuna, mestre e amigo ao qual o espetáculo é dedicado, criador do Movimento Armorial (nascido na década de 70, para valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro).
É o mesmo tipo de imagem que volta à cena mais tarde, para contar a "História de Amor e Morte de Fernando e Isaura". Teatralização instintiva, bizarra, grotesca, assim como "A História do Pavão Misterioso". Tudo aqui compõe, sem ironias de metalinguagem, um imaginário popular.
Ao fundo, o cenário (de Márcio Tadeu), com fitas coloridas trançadas e painéis translúcidos, harmoniza-se com as túnicas simples e calças soltas do elenco, que dominam a maior parte da noite. Quando a dança se libera, vem compor outra imagem -lírica, musical, explorando o movimento dos corpos.
Do início ao fim, o palco é tomado por bailarinos de técnica apurada. Seus passos são do balé: "arabesques", "atitudes", "piruetas". Mas quebrados por acentos das danças populares: movimentos circulares do quadril acompanhados dos braços; passos ritmados e soltos. Destaque para Roberto Amorim (que também participou da elaboração coreográfica de Décio Otero junto com Lívio Lima), com giros precisos associados a impulsos e fluências. E Roberta Botta, que em um de seus solos (com música das "Bachianas") redobra de sentido os mil acentos de cada parte do corpo, arrematando tudo com equilíbrios impecáveis de linha clássica.
Coreógrafo que arrebatou platéias ao trazer um acento brasileiro à dança, Décio Otero continua incansavelmente seu trabalho ao lado de Marika Gidali.
O Stagium é fiel a uma linguagem da dança em que existe sempre certa hierarquia e frontalidade na cena. A estrutura da coreografia é feita de linhas, que ordenam a dança. Um grupo se alterna com o outro, em movimentos sequenciais; cada cena é independente e complementar à outra. Um gestual simbólico e ritualístico redesenha os gestos da dança clássica e transforma a cena.
Um espetáculo como esse parece deslocado? No limite da nostalgia? Reeditando projetos estéticos e políticos que ficaram para trás? Seria uma visão mesquinha, incapaz de reconhecer a grandeza de uma das companhias de maior dignidade na história da nossa dança -que o Stagium continua escrevendo, com toda a sabedoria de suas convicções.


Ballet Stagium
    Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš, tel. 222-8698) Quando: hoje, às 21h Quanto: de R$ 5 a R$ 25



Próximo Texto: Erudito/crítica: Chopin para reparar nossa desgraça
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.