|
Próximo Texto | Índice
DANÇA/CRÍTICA
Companhia apresenta no Municipal a coreografia "O Movimento Armorial", homenagem a Ariano Suassuna
Stagium aponta raízes de um país misturado
Fabiana Beltramin/Folha Imagem
|
Ensaio de "O Movimento Armorial", coreografia que o Ballet Stagium dança hoje no Municipal |
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Valores tradicionais do Brasil; história concreta em lugares abstratos; clássico, xaxado,
coco, mamulengo, cordel e viola.
"Stagium Dança O Movimento
Armorial", que estreou quinta-feira no Municipal, resgata a própria essência da companhia. Desde o seu início, na década de 70, o
Ballet Stagium está comprometido com um ideal político e humanista na dança: uma arte brasileira
erudita, dialogando com as raízes
populares da cultura do país.
O espetáculo é regido pelo roteiro musical, que vai do "Intremeio
para Rabeca e Percussão" e "Rasga" de Antônio Nóbrega, passando pelo "Romance da Bela Infanta" de Antônio José Madureira e o
"Pavão Misterioso" de Ednardo
até as "Bachianas Brasileiras nš 5"
de Villa-Lobos (1887-1959) e
"Morte de Amor de Tristão e Isolda" de Wagner (1813-83). A mistura de estilos é da essência mesmo do estilo de misturas do Stagium. O país, por acaso, não é
misturado?
Na primeira cena, uma visão do
mundo contemporâneo, aliada à
fé católica: Nossa Senhora, Diabo
e cangaceiro. Fazendo pensar nas
formas medievais, de religiosidade direta e irreverente, imagens
como essas são postas lado a lado
com a dança moderna. Máscaras
-inspiradas no artesão Mestre
Vitalino (1909-63)- cobrem os
rostos dos bailarinos, para dar
uma cara às recriadas festas do interior. Tudo faz par com o teatro
de Ariano Suassuna, mestre e
amigo ao qual o espetáculo é dedicado, criador do Movimento
Armorial (nascido na década de
70, para valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro).
É o mesmo tipo de imagem que
volta à cena mais tarde, para contar a "História de Amor e Morte
de Fernando e Isaura". Teatralização instintiva, bizarra, grotesca,
assim como "A História do Pavão
Misterioso". Tudo aqui compõe,
sem ironias de metalinguagem,
um imaginário popular.
Ao fundo, o cenário (de Márcio
Tadeu), com fitas coloridas trançadas e painéis translúcidos, harmoniza-se com as túnicas simples
e calças soltas do elenco, que dominam a maior parte da noite.
Quando a dança se libera, vem
compor outra imagem -lírica,
musical, explorando o movimento dos corpos.
Do início ao fim, o palco é tomado por bailarinos de técnica apurada. Seus passos são do balé:
"arabesques", "atitudes", "piruetas". Mas quebrados por acentos
das danças populares: movimentos circulares do quadril acompanhados dos braços; passos ritmados e soltos. Destaque para Roberto Amorim (que também participou da elaboração coreográfica de Décio Otero junto com Lívio
Lima), com giros precisos associados a impulsos e fluências. E
Roberta Botta, que em um de seus
solos (com música das "Bachianas") redobra de sentido os mil
acentos de cada parte do corpo,
arrematando tudo com equilíbrios impecáveis de linha clássica.
Coreógrafo que arrebatou platéias ao trazer um acento brasileiro à dança, Décio Otero continua
incansavelmente seu trabalho ao
lado de Marika Gidali.
O Stagium é fiel a uma linguagem da dança em que existe sempre certa hierarquia e frontalidade na cena. A estrutura da coreografia é feita de linhas, que ordenam a dança. Um grupo se alterna
com o outro, em movimentos sequenciais; cada cena é independente e complementar à outra.
Um gestual simbólico e ritualístico redesenha os gestos da dança
clássica e transforma a cena.
Um espetáculo como esse parece deslocado? No limite da nostalgia? Reeditando projetos estéticos
e políticos que ficaram para trás?
Seria uma visão mesquinha, incapaz de reconhecer a grandeza de
uma das companhias de maior
dignidade na história da nossa
dança -que o Stagium continua
escrevendo, com toda a sabedoria
de suas convicções.
Ballet Stagium
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, tel. 222-8698)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 5 a R$ 25
Próximo Texto: Erudito/crítica: Chopin para reparar nossa desgraça Índice
|