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CINEMA
"Estranhas Ligações" investiga signos da nova Europa unificada
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O conteúdo de "Estranhas
Ligações" indica sintomas
de um cinema, das conexões entre
pessoas perdidas e das zonas de limite e transição em suas vidas,
que ultimamente vem sendo bastante reproduzido. Nesse cinema,
há quase sempre a fatalidade e o
colapso revestidos por metáforas
físicas (chuva, acidentes, pele)
que vão pavimentar as emoções, o
abstrato. Pensemos, por exemplo,
em Iñárritu ("Amores Brutos") e
em Cláudio Assis ("Amarelo
Manga"). Surgem obras que irmanam o homem com os demais
bichos, alinhando idéias como
açougue, transplantes e solidão e
refletindo outras tantas, como
continuidade e fim.
Aqui, um touro morre em uma
tourada. A carcaça, os órgãos e as
perfurações que o animal legou
originam ligações entre algumas
pessoas, na Espanha, na Bélgica e
na França. O bicho se transforma
em um kit de fragmentos animais,
que, processados laboratorial e
industrialmente, possibilitarão
respostas simples a imensas lacunas. Percebemos que sem a tourada, não teria sido ativado um discreto, mas contundente, movimento na vida dessa gente.
Assim, será abraçado um grande tema que, em um mundo de
estruturas cada vez mais linkadas,
é dos mais modernos: o equilíbrio
das coisas. O que é feito aqui que
interferirá lá. Temos também
uma obra sobre o que pais informam, omitem e perpetuam. E é
aqui que se refletirá a Europa nova e seu projeto unificado.
Explica-se: no filme, pessoas,
entre fronteiras relativas, buscam
aquilo que são, ou o seu tamanho
no mundo. Há, por exemplo, gente confrontando vestígios dos
pais, das raízes, no ofício da taxidermia (reconstrução dos mortos, vocação do belga que não conhece o pai) e na conservação de
marcas: a italiana que mora na
França queimou suas verrugas,
mas deixou uma que herdou do
pai. De sua aldeia, portanto. A
professora espanhola que leciona
na França estranha o fato da mãe
não ter registrado suas primeiras
pegadas de infância. As pessoas
dividem os pedaços do mesmo
touro, vivem o ponto de transição
e procuram o de partida.
Gleize sabe filmar com crença
no absurdo. Abre e fecha planos
com a vivacidade de quem está
aprendendo a iludir e a penetrar.
A autora orquestra com tato a ausência de voz e a banalidade, mas
"Estranhas Ligações" incorre em
velhos vícios novos. É uma obra
do material orgânico que, antes
de se arriscar em rotas inseguras
na captação do viver e do sentir,
iguala as experiências a seus simbolismos. Nota-se que há um cinema de ressonância física emulado, que se comunica menos fisicamente e mais como acessório
de incrementadas sinfonias cênicas das significações. É o limite
entre a beleza e a expressão audiovisual de uma bela aula de semiologia.
Estranhas Ligações
Carnages
Direção: Delphine Gleize
Produção: França/Bélgica/ Espanha/
Suíça, 2002
Com: Chiara Mastroianni, Ángela
Molina, Lucia Sanchez
Onde: Espaço Unibanco e Lumière
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