São Paulo, sábado, 05 de agosto de 2006

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Crítica/"Pai e Filho"

Sokúrov cai em contradições

Divulgação
Andrei Shchetinin e Aleksei Nejmyshev (ao lado) formam a dupla de "Pai e Filho"


PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Foi com um certo espanto que os jornalistas presentes à entrevista coletiva de Aleksandr Sokúrov no Festival de Cannes de 2003 assistiram à reação do cineasta russo quando lhe perguntaram sobre o teor homoerótico de "Pai e Filho". Sokúrov respondeu furiosamente, atribuindo tal percepção à "mente doentia" da platéia ocidental. Um ano antes, quando "A Arca Russa" foi exibido no mesmo festival, sua fala foi marcada por um elogio à arte pré-revolucionária -que seria "pura", em contraste com a arte contemporânea-, algo que também pareceu estranho, em descompasso com a ousadia formal de seu trabalho. Mas, então, quem é Sokúrov?
Um poeta inovador da linguagem cinematográfica ou um esteta defensor de tendências conservadoras? Toda a obra de Sokúrov esgarça duas questões camufladas, mas fundamentais: uma ligada à relação entre o pensamento do autor e sua obra (é possível separar pensamento e estética?); outra, à relação entre a obra e o discurso que a cerca (até que ponto o que o autor diz é mera fabricação para justificar seus filmes?).
Em "Pai e Filho", esses dois aspectos se embaralham. Sokúrov dá prosseguimento à trilogia familiar iniciada com "Mãe e Filho" (1997), trabalha a imagem com os mesmos efeitos de distorção e alcança resultados visualmente deslumbrantes.

Erotização
Sokúrov não cria uma narrativa propriamente dita. Prefere investir em situações carregadas de simbolismo e de elementos sensoriais concentradas em torno da relação pai e filho, carregada de uma forte ambigüidade. A imagem inicial, por exemplo, mostra dois corpos musculosos que se abraçam em meio a sons ofegantes. A câmera se afasta e revela um pai tentando acalmar o filho enquanto ele tem um horrível pesadelo.
Muitas vezes, a erotização não está no olhar entre os personagens, mas no próprio olhar da câmera sobre eles, como nas seqüências em que os dois se exercitam juntos. O filho admira a força física e o poder do pai, mas também sofre pela rejeição na medida em que o pai confessa sofrer ao ver a face de sua mulher, morta, refletida no rosto do filho, em uma espécie de deslocamento mirabolante do complexo de Édipo.
"Pai e Filho" implode em contradições. Por um lado, imagens poéticas, um tratamento altamente estetizante da imagem e uma vontade de refletir sentimentos universais, grandiosos. Por outro, diálogos que sugerem a glorificação da figura do "veterano de guerra" e um elogio de alegorias cristãs, na afirmação de que o amor de um pai é sempre redentor. Detalhes que fazem a gente se perguntar o que quer Sokúrov.

PAI E FILHO   
Direção: Aleksandr Sokúrov
Produção: Alemanha/Rússia, 2003
Com: Andrei Shchetinin, Aleksei Nejmyshev, Aleksandr Razbash
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco 1


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