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São Paulo, quinta-feira, 06 de fevereiro de 2003

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MOSTRA

Filmes de diretores contemporâneos, como François Ozon, são inspirados pelas produções do período pós-guerra

Cineastas pregam tributo à originalidade

Divulgação
Cena de "O Estado do Cão", de Peter Brosens e Dorjkh Turmunkh


TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

"Originalidade é tentar fazer como os outros e não conseguir."
Robert Bresson (1901-1999), autor da frase, era um cineasta de originalidade tão insuspeita que ficava difícil associá-lo a essas palavras. Hoje em dia, não há cineasta que escape a um tal conceito de originalidade, como bem o provam os títulos da mostra "Esse Estranho Cinema".
Boa parte dos filmes foi lançada em vídeo no Brasil por uma mesma distribuidora, único fato que parece justificar a reunião desses títulos -afora o argumento, um tanto abrangente, de que todos escapam à esfera do dito cinema comercial. Mas que não se deixe de ressaltar que a "originalidade" dos autores contemporâneos da programação é, na maioria, tributária dos cinemas novos dos anos 50/70, o chamado cinema moderno do pós-guerra, do qual Bresson foi um dos expoentes.
A nouvelle vague, por exemplo, é a paixão tardia, mas correspondida, do malaio Tsai Ming-Liang ("Vive L'Amour"). Bresson é modelo de Bruno Dumont ("L'Humanité"), um dos discípulos da hoje concorrida escola bressoniana, e Fassbinder é o Deus de François Ozon no culto de "Gotas D'Água em Pedras Escaldantes".
No mundo das pequenas excentricidades provincianas de Iosselliani ("Adeus Lar, Doce Lar"), os velhos, com seus hábitos arraigados, e as crianças, com suas invencionices, formam uma casta superior, privilegiada pela maior das riquezas: a dádiva do ócio.
O austríaco Michael Haneke ("Código Desconhecido") retoma um dos temas mais caros do cinema moderno do pós-guerra: a banalização do atroz. O que no cinema do pós-guerra parecia ser apenas um sintoma, revela-se, nos filmes de Haneke, diagnóstico definitivo. Se alguns cineastas dos anos 60 já sentiam na sociedade moderna sintomas de uma doença do espírito (como Antonioni e sua "enfermidade de Eros"), o atestado de óbito coube a Haneke e seu "cinema da crueldade".
Em termos estéticos, o espólio dos ditos cinemas novos se faz melhor sentir na indiscernibilidade entre real e imaginário, documentário e ficção, de "O Estado do Cão", do belga Peter Brosens e do mongol Dorjkh Turmunkh.
Já a dupla Jean-Marie Straub e Danielle Huillet é uma legítima remanescente da geração do cinema moderno. Resistência sempre foi a palavra predileta do casal, e o fato de seu estóico e já quadragenário projeto ter sobrevivido é uma prova a ser celebrada. Forjando uma sintaxe própria do grito, em "Gente da Sicília" os Straub tentam levar, pela intensidade, a língua italiana ao seu limite, escavando, na linguagem seca do livro de Elio Vittorini, o vigor próprio da língua viva das ruas.


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