São Paulo, sábado, 06 de março de 2004

Texto Anterior | Índice

ERUDITO/CRÍTICA

Osesp e Minczuk, um passo aquém do deslumbramento

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Era o início da temporada e lá estava ela, novamente, depois de tanto tempo. Viçosa, arrojada, confiante, fazendo-se outra em si mesma, a "Nona Sinfonia" de Beethoven (1770-1827) enchia a Sala São Paulo de inteligência e emoção. E a Sala lotada vibrava do jeito mais intenso que há: em silêncio, ninguém nem respirando durante a gravação ao vivo da Osesp, regida por Roberto Minczuk, na última quinta.
Só uma performance de palco consegue resgatar a "Nona" dos calabouços da repetição. Para dar o exemplo mais óbvio: o grande tema do quarto movimento, já degradado a toques de telefone celular. Quando os violoncelos e contrabaixos atacaram, parecia uma música inédita, nascida naquele momento.
Isso tem a ver, em parte, com o timbre e dinâmica que Minczuk imprimiu à frase, começando no escuro e só crescendo no final do terceiro grupo de quatro compassos, para logo depois voltar ao fundo de onde saiu. A ironia é que se trata do que está escrito na partitura (e não é a menor virtude do regente esse respeito pelo texto). Mas vem também de uma idéia da sinfonia como um todo, que se vai dando a conhecer, com as surpresas de uma história real.
Surpresas e frustrações também, nalguma medida, para as expectativas que ela mesma criou. Foi tanta coisa bonita que se ouviu -como as escalas dos sopros, ou o colchão sonoro sustentando as larguezas do "Adágio", ou as luzes do Coro da Osesp (mais Coral Paulistano), ou o equilibrado quarteto vocal-, que parece injusto reclamar. Nem se trata de cobrar afinação aqui e ali. Sempre se pode passar o Pro-Tools nas trompas, depois.
Também não seria legítimo pedir uma interpretação revolucionária da mais revolucionária das sinfonias. Minczuk nunca teve preocupações assim. Rege de dentro para fora da música, o que é menos comum do que parece. Dessa perspectiva mesmo é que se pode entender sua "Nona": esculpida em mármore, não titânio.
Mas o que faltou, então? De um dicionário de sinônimos: arrebatamento, deslumbramento, êxtase? Mas era o primeiro concerto do ano, e ainda por cima sendo gravado. Já foi uma "Nona" e tanto e hoje provavelmente estoura.


Osesp
   
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16:30h
Quanto: de R$ 22 a R$ 70



Texto Anterior: Eventos: Mulheres celebram mulheres em shows
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.