UOL


São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA/VERA CHYTILOVÁ - NOUVELLE VAGUE TCHECA

Diretora realiza obra antipatriarcal

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Para os "humanistas-velho-estilo" dos anos 50, incapazes de compreender o comportamento dos filhos, aqueles "jovens irados" sofriam de um "mal da juventude". A dita geração nouvelle vague parecia mais afeita às modas da "juventude transviada" do cinema americano do que aos conselhos paternos e mais disposta à delinquência do que ao tédio.
Essa geração, que tanto se espelhara no cinema, não demoraria a se ver refletida nas telas: a nouvelle vague francesa e seus desdobramentos eram a prova de que os "jovens irados" haviam encontrado o seu meio de expressão.
Um capítulo importante dessa história foi escrito por Vera Chytilová, musa e artífice da nouvelle vague tcheca, cineasta cuja obra (pouco conhecida) é tema da retrospectiva que se inicia no Centro Cultural do Banco do Brasil. Os filmes da primeira fase da cineasta, do média "O Teto" (1961) ao longa "As Margaridas" (1966), não apenas prenunciam a revolta juvenil (operária e estudantil) que marcou a Primavera de Praga na Tchecoslováquia de 1968. São também um testemunho, dos mais relevantes no contexto geral do cinema novo europeu, da conflituosa afirmação da individualidade feminina na sociedade moderna do pós-Segunda Guerra.
O contexto tcheco, marcado pela intervenção soviética, podia ser um pouco diferente do dos países da Europa ocidental, mas, para a juventude, nem tanto: em "Saco de Pulgas" (1962), por exemplo, Jeanne, a jovem que afirma, frente aos ritos coletivistas de uma cooperativa de produção, a sua individualidade, não difere muito das "senhoritas-nouvelle-vague francesas": impertinente, entediada, irrequieta, ela anseia por uma liberdade ao estilo americano.
Já as protagonistas de "O Teto", Martha, uma modelo fotográfica (personagem autobiográfica de Chytilová), e do longa de estréia "Algo Diferente", Eva, uma ginasta famosa, lembram a Cléo da francesa Agnés Varda: são mulheres modernas emancipadas e mimadas, alvo de todos os olhares e influências masculinos, mas no fundo tristes, à beira de uma crise.
Os filmes de Chytilová, mais até do que os de Varda, não dissociam a visão subjetiva (e subjetivista) da mulher moderna de uma objetividade crítica feminista. As personagens de Chytilová são, emancipadas ou não, prisioneiras das palavras dos homens, da linguagem e do julgamento masculinos -nesse sentido, a tcheca seria uma cineasta antipatriarcal.
"Por que não dizer "ovo" em vez de "eu te amo'?", perguntam-se as duas Marias de "As Margaridas". Chytilová realiza aqui sua obra-prima por encontrar, tal como suas personagens, uma linguagem própria. Deixando o cinema-verdade de seus primeiros filmes de lado para se livrar de quaisquer resquícios de realismo (soviético), a cineasta investe numa pedagogia da percepção que, em seu hiperestímulo e fragmentação, aproxima-se mais do primeiro modernismo, o das vanguardas, do que do segundo, o dos cinemas novos do pós-Segunda Guerra.


VERA CHYTILOVÁ - NOUVELLE VAGUE TCHECA. Quando: de hoje a 11/5. Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3600). Quanto: R$ 8 (dá direito a todas as sessões durante 30 dias).


Texto Anterior: Trabalhos surgem de tensão
Próximo Texto: Cinema: "Nelson Freire" tem exibição gratuita hoje
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.