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CINEMA/VERA CHYTILOVÁ - NOUVELLE VAGUE TCHECA
Diretora realiza obra antipatriarcal
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Para os "humanistas-velho-estilo" dos anos 50, incapazes
de compreender o comportamento dos filhos, aqueles "jovens
irados" sofriam de um "mal da juventude". A dita geração nouvelle
vague parecia mais afeita às modas da "juventude transviada" do
cinema americano do que aos
conselhos paternos e mais disposta à delinquência do que ao tédio.
Essa geração, que tanto se espelhara no cinema, não demoraria a
se ver refletida nas telas: a nouvelle vague francesa e seus desdobramentos eram a prova de que os "jovens irados" haviam encontrado o seu meio de expressão.
Um capítulo importante dessa
história foi escrito por Vera Chytilová, musa e artífice da nouvelle
vague tcheca, cineasta cuja obra (pouco conhecida) é tema da retrospectiva que se inicia no Centro Cultural do Banco do Brasil.
Os filmes da primeira fase da cineasta, do média "O Teto" (1961)
ao longa "As Margaridas" (1966),
não apenas prenunciam a revolta
juvenil (operária e estudantil) que
marcou a Primavera de Praga na
Tchecoslováquia de 1968. São
também um testemunho, dos
mais relevantes no contexto geral
do cinema novo europeu, da conflituosa afirmação da individualidade feminina na sociedade moderna do pós-Segunda Guerra.
O contexto tcheco, marcado pela intervenção soviética, podia ser
um pouco diferente do dos países
da Europa ocidental, mas, para a
juventude, nem tanto: em "Saco
de Pulgas" (1962), por exemplo,
Jeanne, a jovem que afirma, frente
aos ritos coletivistas de uma cooperativa de produção, a sua individualidade, não difere muito das
"senhoritas-nouvelle-vague francesas": impertinente, entediada,
irrequieta, ela anseia por uma liberdade ao estilo americano.
Já as protagonistas de "O Teto",
Martha, uma modelo fotográfica
(personagem autobiográfica de
Chytilová), e do longa de estréia
"Algo Diferente", Eva, uma ginasta famosa, lembram a Cléo da
francesa Agnés Varda: são mulheres modernas emancipadas e mimadas, alvo de todos os olhares e
influências masculinos, mas no
fundo tristes, à beira de uma crise.
Os filmes de Chytilová, mais até
do que os de Varda, não dissociam a visão subjetiva (e subjetivista) da mulher moderna de uma
objetividade crítica feminista. As
personagens de Chytilová são,
emancipadas ou não, prisioneiras
das palavras dos homens, da linguagem e do julgamento masculinos -nesse sentido, a tcheca seria uma cineasta antipatriarcal.
"Por que não dizer "ovo" em vez
de "eu te amo'?", perguntam-se as
duas Marias de "As Margaridas".
Chytilová realiza aqui sua obra-prima por encontrar, tal como
suas personagens, uma linguagem própria. Deixando o cinema-verdade de seus primeiros filmes
de lado para se livrar de quaisquer
resquícios de realismo (soviético),
a cineasta investe numa pedagogia da percepção que, em seu hiperestímulo e fragmentação,
aproxima-se mais do primeiro
modernismo, o das vanguardas,
do que do segundo, o dos cinemas
novos do pós-Segunda Guerra.
VERA CHYTILOVÁ - NOUVELLE VAGUE
TCHECA. Quando: de hoje a 11/5. Onde:
CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3600). Quanto: R$ 8 (dá direito a todas as sessões durante 30 dias).
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