São Paulo, quarta-feira, 06 de maio de 2009

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Análise/Cinema

Filmes de Israel contrastam com realidade beligerante

"Valsa com Bashir" é exibido em um momento crucial do conflito no país

Divulgação
Cena de "Valsa com Bashir", de Ari Folman, em cartaz em SP

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Filmes recentes de Israel contrastam com a beligerância da sociedade israelense, como ficou claro nas últimas eleições. Pacifismo, chamados à convivência, oposição ao confronto, já muitas vezes com emprego de força militar, são traços comuns a esses filmes, pelo menos aos que têm chegado por aqui.
Ao mesmo tempo se informa que foram fabricadas, por encomenda do Exército de Israel, camisetas com os dizeres "Um tiro e dois mortos". Como espécie de legenda gráfica, foi impresso, embaixo, o desenho de uma muçulmana grávida.
Outros dizeres são "Confirmar a morte". Trocando em miúdos, disparar à queima-roupa nas cabeças de feridos. "Minha maior preocupação é a perda de humanidade em guerras prolongadas", disse o chefe do Estado-Maior do Exército de Israel. A informação é a de que as camisetas são usadas unicamente nos quartéis, não nas ruas, à vista da população.
Também ficou confinado aos quartéis outro fato com igual gravidade. A presença de rabinos, junto aos soldados, no limiar da invasão de Gaza, pregando uma guerra religiosa e não de segurança nacional, de reação aos foguetes disparados pelo Hamas, na versão oficial.
O que se vê em filmes como "Lemon Tree" e "A Banda", recém-exibidos em SP, e "Valsa com Bashir", em cartaz nos cinemas, é como se fora o outro lado de uma mesma moeda.
No primeiro, uma plantação de limões de uma palestina, junto à casa do ministro da Defesa de Israel, deve ser derrubada, porque é fichada como ameaça terrorista. Mas as trocas de olhares entre a dona dos limões e a mulher da alta autoridade refletem uma comunhão de angústias diante de tamanho absurdo. Por que não conviver em paz? É a pergunta da própria mulher do ministro.
O arrazoado belicista do marido se limita a uma única e fatigada linha de pensamento, a de uma impossibilidade milenar. A tonalidade forte é a troca de olhares entre elas, como se não pudessem falar entre si.

Demônios
Exorcizar demônios, foi como um crítico tratou "Bashir". O diretor Ari Folman estaria prestando um serviço ao seu país, e essa seria sua convicção, mostrando a responsabilidade de Israel no massacre num campo de refugiados palestinos no Líbano em 1982. Bashir foi um cruzado cristão eleito presidente libanês e assassinado.
Seus falangistas, com a complacência do Exército invasor, o de Israel, executaram a matança. Não faltou a figura de Ariel Sharon, comandante da invasão, mais tarde primeiro-ministro, hoje em vida vegetativa.
Cálculos variando entre 328 e 3.500 assassinados. Os depoentes e o que eles dizem são superpostos por desenhos, casando palavras e as ações correspondentes. O que é visto como redefinição do gênero documentário. É exibido numa hora crucial. Ou Israel, acusado pela ONU e pela Human Rights Watch de crimes de guerra, aceita a criação de um Estado palestino ou nada feito.

O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em questões internacionais.



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