São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2010

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CRÍTICA TEATRO

Carências de texto levam à peça previsível

Traduzida por Paulo Autran, "A Grande Volta" se perde em indecisão entre relações familiares e passado na guerra
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O fracasso como tema e como forma. Essa é uma leitura possível de "A Grande Volta", peça escrita pelo belga Serge Kribus encenada por Marco Ricca.
Ao confrontar um pai e um filho, ambos cientes de terem desperdiçado suas vidas e comprometido sua relação, o drama revela impotência em tornar interessantes os seres humanos que apresenta.
Kribus poderia objetar que a banalidade que cerca os diálogos e a trama é estratégica, servindo como anteparo para alcançar uma densidade emocional mais profunda e, quem sabe, capturar o vazio moral de nossa era.
A indicar essas intenções alguma menção às peças de Tchecov. A negá-las, o fato de os personagens permanecerem superficiais em enredo que busca alimentar a empatia do público por eles.
O protagonista é Boris Spielman, cujo nome aparece no título do original em francês, estreado no ano 2000 em Paris.
É ele, um ator menor que já se via aposentado, quem retornará aos palcos em grande estilo. Vai encarnar o cobiçado papel de Lear, o rei criado por Shakespeare que sofre de demência senil.
Em contraponto, o filho visitado, que vive a crise de uma separação conjugal e do desemprego e assiste, melancólico, à decadência do pai a projetar sua própria derrota.

FOCO NOS DIÁLOGOS
A encenação de Marco Ricca teve o mérito de economizar nos adereços e focar toda a atenção nos diálogos. E a cenografia de André Cortez colaborou nesse sentido, criando um espaço cênico que separa os ambientes internos e externos com um mínimo de recursos e muita engenhosidade.
Tudo isso é pouco para suplantar uma carência que parece ser da própria dramaturgia, insinuando muitas possibilidades e não levando a cabo nenhuma delas.
A refletir essa dificuldade do drama em se impor, seja como narrativa, seja como psicologia, o trabalho dos atores não consegue transcender o caricatural.
A ligeireza dos traços ressalta principalmente na interpretação de Fúlvio Stefanini. Ator tarimbado na comédia, ele não alcança nem a gravidade nem a loucura que o personagem do velho ator sugere.
Rodrigo Lombardi, com menos experiência de palco, ao menos se desincumbe com naturalidade verossímil no papel do filho.
No conjunto, porém, o que parece colaborar decisivamente para que a encenação se desenvolva previsível e sem grandes consequências é mesmo o texto.
As credenciais de ter sido premiado na Europa e traduzido pelo saudoso Paulo Autran (1922-2007), talvez para ele próprio encenar, não o livram de suas limitações.
O autor se perde, indeciso entre ir fundo nas relações entre pai e filho ou explorar melodramaticamente, com vagas alusões ao passado do protagonista na guerra, a sua condição de judeus.
Se a peça discute como duas vidas podem falhar, o espetáculo se deixa contaminar pela temática e, morno, fracassa artisticamente.


A GRANDE VOLTA

QUANDO sex., às 21h30, sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 15/8
ONDE teatro da Faap (r. Alagoas, 903, tel. 3662-7233)
QUANTO R$ 70
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO regular



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