São Paulo, terça-feira, 06 de agosto de 2002

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VERNISSAGE

Fernanda Gomes abre hoje mostra na galeria Luisa Strina, em que apresenta trabalhos produzidos desde 2001

Exposição revela despojos do cotidiano

Maurício Piffer/Folha Imagem
A artista plástica Fernanda Gomes na galeria Luisa Strina, que expõe suas obras a partir de hoje


JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quem, de passagem pela rua Oscar Freire, lançar o olhar ávido por vitrines para a exposição de Fernanda Gomes não vai enxergar nada. O que a artista carioca expõe a partir de hoje na galeria Luisa Strina são os despojos do cotidiano tornados arte. "Tudo merece atenção", não cansa de repetir, e para ver as obras mostradas ali é preciso se dispor a espiar a fresta, a apreciar o pó.
Assim é que duas pequenas lonas retangulares presas em molduras precárias por grampos aparentes são unidas por dois grampos adicionados pela artista, deixando um vão sutil que lembra uma pintura de Lucio Fontana (1899-1968). Não se trata de afrontar a planaridade da pintura, no entanto, mas sim de mostrar a perfeição no defeito, no erro, na impureza.
Da mesma forma, a peça feita de madeira embrulhada por papel que pende no canto pendurada por um barbante evidencia o fio tensionado, que percorre uma longa trajetória horizontal desde um prego, no meio da parede, onde está preso, até as pontas de barbante flácidas. Outra obra, uma fita de papel presa na vertical à parede branca da galeria, quase desaparece diante dos olhos.
O vocabulário desta artista é o do mínimo necessário para dizer tudo, para dizer a experiência humana. Fernanda Gomes trabalha sempre com o que está em torno e não gosta de estar vinculada à necessidade de produção de coisas. "É possível fazer algo significativo com quase nada, porque não é a coisa em si que importa", afirma. Ela já realizou duas vezes a experiência de ir para o espaço em que iria expor sem levar absolutamente nada, construindo a exposição a partir dos materiais disponíveis.
Essa ausência de regras levou a artista a trabalhar com os mais diversos materiais: "Eu me preocupo mais em materializar um pensamento do que com o material em si", explica. Mas acaba por agregar à obra a história dos elementos com que escolheu trabalhar, pois considera sempre as características próprias dos materiais, a quantidade de trabalho que existe em cada um deles.
Vê-se que seu trabalho é uma luta constante contra a desvinculação das coisas que a vida contemporânea produz. Por esse motivo é que diz acreditar na arte como descoberta silenciosa, para ocorrer em uma instância de tempo contemplativo. "A obra exige um tempo que é seu, não da obra", sentencia. Para ela, arte significa uma possibilidade de contato das pessoas consigo mesmas, uma possibilidade de consciência. "Não sei como existem pessoas que conseguem viver sem arte."
Desde o final de 2001 a artista está trabalhando nas peças agora expostas, uma saturação de branco no branco da galeria. "O branco são infinitas cores", explica, e isso se vê nas obras, que têm diversos matizes de branco e, umas em relação às outras, refletem luz pela soma dos brancos. "Na produção destas peças, "pintura" foi uma palavra que começou a aparecer com frequência", conta. De tudo o que a pintura envolve como linguagem, ela preferiu ficar com o elemento temporal. "Esses trabalhos discutem o tempo, que parece que virou um luxo, mas é uma necessidade."
Sobre a precariedade dos materiais, que resulta por vezes em obras efêmeras, ela diz: "Alguns trabalhos são mais residuais, mas nem todas as obras precisam existir materialmente por muitos anos. Desse modo, a obra volta à imaterialidade original dela, de forma multiplicada". Fernanda Gomes oferece também a resposta mais curta, sorrindo: "Precário é o ser humano".


FERNANDA GOMES - abertura hoje, às 19h; de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 17h. Até 6/9. Onde: galeria Luisa Strina (r. Oscar Freire, 502, tel. 3088-2471). Quanto: entrada franca.



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