|
Texto Anterior | Índice
Crítica/"Glória ao Cineasta"
Crise criativa inspira Takeshi Kitano a criar ousado filme em episódios
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A pane de inspiração já
inspirou diretores do
porte de Fellini e
Woody Allen, que produziram,
a partir de crises criativas, reflexões, profundas ou irônicas,
sobre a ruína que pode significar a glorificação de alguém como artista. O ator japonês Takeshi Kitano, 62, celebrado como autor desde os anos 90, reutiliza a situação em "Glória ao
Cineasta". Só que Kitano força
tanto o limite da paródia que
seu filme foi recebido a pedradas por onde passou.
Kitano era um comediante
de enorme sucesso na TV japonesa até que chamou a atenção
quando passou à direção. Filmes como "Adrenalina Máxima" e "De Volta às Aulas", em
que as cores da angústia e da
melancolia tingiam de personalidade seu jogo com gêneros,
anunciavam a presença de um
"autor".
Depois, vieram "Hana-Bi -
Fogos de Artifício" e, sobretudo, "Dolls" e o entusiasmo pelo
autor Kitano se espalhou por
meio da projeção em festivais.
"Zatoichi" já anunciava o
cansaço da máscara, quando
Kitano recorreu a um gênero e
a um personagem recorrente
para fazer um filme delicioso
que já era pura brincadeira.
Depois da desmontagem farsesca do papel de celebridade
feita em "Takeshi's", Kitano
chega ao auge da sabotagem em
"Glória ao Cineasta", no qual
pula de história em história e
de gênero em gênero para demonstrar que a transformação
de um diretor em "cineasta"
pode ser o caminho mais curto
para fazer de uma possibilidade
um erro.
O resultado é um jogo conceitual de pouquíssimo apelo
popular, é bom avisar. Mas cuja
coragem é preciso reconhecer.
Coragem de recusar glórias
"prêt-à-porter" e de destruir
com prazer a farsa da autoria.
Na tradição japonesa, "Glória
ao Cineasta" é um haraquiri,
um suicídio ritual da "obra", como poucos no cinema ousaram
fazer.
Avaliação: bom
Texto Anterior: Música: Julio Iglesias canta amanhã no Via Funchal Índice
|