São Paulo, quinta-feira, 07 de maio de 2009

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Gabriel Villela relê "Vestido de Noiva"

Diretor transforma o texto inaugural do teatro brasileiro moderno, de Nelson Rodrigues, em "festa nupcial sinistra'

Na montagem, história da jovem atropelada que confunde lembranças e delírios se passa em um mausoléu; estreia é amanhã


Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Leandra Leal, Luciana Carnielli e Marcello Antony em cena da montagem de Gabriel Villela

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Adónde irá veloz y fatigada/La golondrina que de aquí se va?" (Aonde irá a andorinha veloz e cansada que daqui parte?) Por cima da puída gravação do trio Los Panchos para "La Golondrina", um coro grego canta a tragédia de Alaíde, na abertura da montagem de "Vestido de Noiva" dirigida agora por Gabriel Villela.
Os versos parecem feitos sob medida para embalar o texto de 1943, marco zero do moderno teatro brasileiro, pela sobreposição de planos dramáticos.
Ali, Nelson Rodrigues prende Alaíde na gaiola de seu próprio inconsciente: atropelada, entre a vida e a morte, ela vagueia por cenas de seu casamento, memórias de rusgas com a irmã e um possível crime, além de delírios persecutórios na companhia de seu ídolo, a prostituta Madame Clessi. Enquanto isso, médicos tentam salvá-la e jornalistas relatam seu malogro. "O confinamento dela é no limite entre prazer e dor, desejo e impedimento, Eros e Tanatos. O estado alucinatório traz uma carga mítica e simbólica sobre a libertação de impulsos talvez reprimidos pela cultura religiosa", diz Villela, 50.
O diretor filia a montagem atual a uma "expectativa de voltar à aurora da vida acadêmica, retomar argumentos e inquietações estéticas do início dos anos 80", quando ele foi aluno na USP do crítico Sábato Magaldi, especialista em teatro rodriguiano, e viu encenações marcantes do ciclo dedicado por Antunes Filho ("meu rei até hoje") ao dramaturgo.

Mistura de correntes
Em cena, Villela segue a cartilha do mestre de "se deixar inspirar por várias correntes": faz remissões ao teatro-dança de Pina Bausch e Kazuo Ohno e extrai do elenco tons ora realistas, ora expressionistas.
Os planos cênicos indicados nas rubricas de Nelson (realidade, memória e alucinação) aqui se fundem: é um mausoléu de paredes negras espelhadas que encerrará as dúvidas de Alaíde sobre seu casamento e o papel de traidora ou traída em relação à irmã. Nesse limbo, onde Villela promove uma "festa nupcial sinistra", fantasmas (ou zumbis) desfilarão sua decrepitude -metidos em "roupas de casamento alugadas".
"O público hoje está tão acostumado com a desconstrução, que a representação explícita, didática, já não serve", diz Leandra Leal, que interpreta Alaíde, sobre a fusão de esferas narrativas. "Diante de uma mente fragmentada como a de Alaíde, quem poderá afirmar que a realidade também não é distorcida?", completa o assistente de direção César Augusto.
O desfecho da personagem, como fantasma a assombrar aquela que toda a vida foi seu espectro, obriga a outra pergunta: quem dirá que a golondrina veloz e cansada não encontrou, por fim, uma rota?


VESTIDO DE NOIVA

Quando: estreia amanhã (para convidados); sex., às 21h30, sáb., às 21h, dom., às 19h (a partir de junho, também às quintas, às 21h30); até 5/7
Onde: teatro Vivo (av. Chucri Zaidan, 860, tel. 7420-1520)
Quanto: de R$ 60 a R$ 70
Classificação: não indicado a menores de 14 anos




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