|
Texto Anterior | Índice
Crítica/"Flores do Amanhã"
Melodrama pinta a história chinesa com tintas oficiais
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A riqueza cultural e histórica e o recente poderio
geopolítico atraem cada vez mais a atenção ocidental
para a China. Nessa onda, seu
cinema ganhou espaço de exibição e trouxe nomes maiores e
menores, que indagam o modo
de vida chinês e as transformações da subjetividade contemporânea com acuidade. "Flores
do Amanhã" é mais um título
que tenta capturar os efeitos da
modernização na vida dos chineses, mas sem impacto.
Do mesmo diretor de "Banhos" e "Abandono do Sucesso", o filme retrata o percurso
de Xiangyang, da infância à vida
adulta. Por meio de seu trajeto
individual, reflete-se uma fase
crucial da história chinesa, desde os anos 60, no período da
Revolução Cultural de Mao, até
o século 21, com a acelerada
modernização do país.
A direção de Zhang Yang, porém, funciona como mera ilustração de um livro de história,
obedecendo a saltos cronológicos que coincidem com momentos-chaves da China contemporânea: as perseguições
políticas sob Mao, a morte do líder, a ascensão de Deng Xiaoping e os efeitos das reformas
econômicas a partir do governo
de Jiang Zemin.
Cada momento crucial do
país serve de pano de fundo para as crises familiares de Xiangyang, seus conflitos com o pai e
a mãe, representantes do tradicionalismo.
Por meio dessa contraposição entre os valores antigos e os
novos, Zhang Yang esboça um
espelho da própria transição
política do país. Mas seu filme
padece dessa limitação do expositivo, no qual as forças dramáticas não possuem intensidade própria, estão ali numa
forma meramente mecânica,
como se fossem a encenação de
um manual didático da China
para estrangeiros.
Parte do fracasso deve-se à
opção do diretor em realizar o
filme numa linguagem supostamente universal, de fácil aceitação, baseado na oferta de
uma narrativa que não propõe
nenhum tipo de reflexão ao espectador. O formato dominante é o do melodrama, narrado
de forma tão quadrada quanto
as nossas novelas de TV e pontuado por uma música melosa
que enjoa os ouvidos.
Essa adesão à facilidade da
linguagem provoca um curto-circuito na alma do filme. Por
causa dela, "Flores do Amanhã"
dá a impressão de um filme oficial, onde todo conflito surge
para ser imediatamente neutralizado por uma reconciliação forçada. Nessa história carregada de dores, as cicatrizes
foram apagadas pelo tratamento de Photoshop, o que resulta
em imagens belas, mas sem traços de autenticidade.
FLORES DO AMANHÃ
Direção: Zhang Yang
Produção: China, Holanda, 2005
Com: Joan Chen, Sun Haiyng e Ge Gao
Quando: em cartaz no Reserva Cultural
Texto Anterior: Crítica/"Meu Irmão Quer se Matar": Diretora ex-Dogma constrói filme leve Índice
|