São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2006

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Crítica/"Flores do Amanhã"

Melodrama pinta a história chinesa com tintas oficiais

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A riqueza cultural e histórica e o recente poderio geopolítico atraem cada vez mais a atenção ocidental para a China. Nessa onda, seu cinema ganhou espaço de exibição e trouxe nomes maiores e menores, que indagam o modo de vida chinês e as transformações da subjetividade contemporânea com acuidade. "Flores do Amanhã" é mais um título que tenta capturar os efeitos da modernização na vida dos chineses, mas sem impacto.
Do mesmo diretor de "Banhos" e "Abandono do Sucesso", o filme retrata o percurso de Xiangyang, da infância à vida adulta. Por meio de seu trajeto individual, reflete-se uma fase crucial da história chinesa, desde os anos 60, no período da Revolução Cultural de Mao, até o século 21, com a acelerada modernização do país.
A direção de Zhang Yang, porém, funciona como mera ilustração de um livro de história, obedecendo a saltos cronológicos que coincidem com momentos-chaves da China contemporânea: as perseguições políticas sob Mao, a morte do líder, a ascensão de Deng Xiaoping e os efeitos das reformas econômicas a partir do governo de Jiang Zemin.
Cada momento crucial do país serve de pano de fundo para as crises familiares de Xiangyang, seus conflitos com o pai e a mãe, representantes do tradicionalismo.
Por meio dessa contraposição entre os valores antigos e os novos, Zhang Yang esboça um espelho da própria transição política do país. Mas seu filme padece dessa limitação do expositivo, no qual as forças dramáticas não possuem intensidade própria, estão ali numa forma meramente mecânica, como se fossem a encenação de um manual didático da China para estrangeiros.
Parte do fracasso deve-se à opção do diretor em realizar o filme numa linguagem supostamente universal, de fácil aceitação, baseado na oferta de uma narrativa que não propõe nenhum tipo de reflexão ao espectador. O formato dominante é o do melodrama, narrado de forma tão quadrada quanto as nossas novelas de TV e pontuado por uma música melosa que enjoa os ouvidos.
Essa adesão à facilidade da linguagem provoca um curto-circuito na alma do filme. Por causa dela, "Flores do Amanhã" dá a impressão de um filme oficial, onde todo conflito surge para ser imediatamente neutralizado por uma reconciliação forçada. Nessa história carregada de dores, as cicatrizes foram apagadas pelo tratamento de Photoshop, o que resulta em imagens belas, mas sem traços de autenticidade.


FLORES DO AMANHÃ  
Direção: Zhang Yang
Produção: China, Holanda, 2005
Com: Joan Chen, Sun Haiyng e Ge Gao
Quando: em cartaz no Reserva Cultural


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