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CRÍTICA
"Soldado Ryan" é síntese dos filmes de guerra
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Todo filme do diretor norte-
americano Steven Spielberg é um
embate entre o talento e a babaquice -e a babaquice quase sempre
vence no fim.
Assim é "O Resgate do Soldado
Ryan", que pode ser considerado,
entretanto, um dos grandes dramas de guerra que o cinema norte-
americano é capaz de produzir de
tempos em tempos.
Para que o filme seja levado a sério, é preciso desde logo esquecer o
prólogo e o epílogo, ambientados
no presente.
Piegas, militaristas, patrioteiros,
eles representam o que de pior
Spielberg tem a dar.
Mas o que é que torna "Soldado
Ryan", a despeito de seu reacionarismo congênito, um filme que
merece ser visto e que, provavelmente, permanecerá vivo ao longo
das décadas?
Não é somente a filmagem de impacto das cenas de batalha, embora esse seja o trunfo mais imediato
e irresistível do filme. Há nele um
mérito de outra ordem: como
acontece com um ou dois filmes a
cada década, "Soldado Ryan" atinge a dimensão de um paradigma, e
ilumina retrospectivamente todo
um gênero cinematográfico.
"O Resgate do Soldado Ryan" é a
quintessência de todos os filmes
americanos convencionais de
guerra (o que exclui obras de exceção, como "Apocalipse Now" e
"Nascido para Matar"). Vamos
tentar esclarecer por quê.
O enredo é simples: depois de
participar do sangrento desembarque aliado na costa da Normandia,
no chamado "Dia D" da Segunda
Guerra Mundial, um grupo de soldados liderados pelo tenente Miller (Tom Hanks) recebe a missão
de resgatar, além das linhas inimigas, o pára-quedista Ryan (Matt
Damon) e mandá-lo de volta a sua
casa, nos EUA.
A mãe do soldado, uma típica
dona-de-casa do interior da América, perdeu os outros três filhos
em combate na mesma guerra.
O chefe do estado-maior do
Exército americano julga que salvar o último filho da sra. Ryan terá
um efeito simbólico poderoso, que
pode ser traduzido assim: a América não abandona seus filhos, "um
por todos, todos por um" etc.
²
Ideologia disfarçada
Há aqui uma operação ilusionista que consiste em ocultar objetivos político-propagandísticos
(mostrar os americanos como moralmente superiores, elevar o moral da tropa, acalmar a população
civil), disfarçando-os em missão
humanitária e ética: a salvação de
um pobre "American boy" perdido entre as balas
inimigas.
Spielberg assume como sua essa
mesma operação.
Aí está a chave
dramatúrgica,
moral e estética de
seu filme, e é aí
também que ele
expõe toda a anatomia do cinema
bélico norte-americano.
O artifício dramático básico dos
dramas de guerra
consiste em destacar do anonimato, colocando-os em primeiro plano, alguns indivíduos do "nosso time": o sargento durão, o intelectual desajeitado e medroso, o galã
inconsequente, o soldado heróico,
o comandante angustiado.
²
Seres do mal
O exército inimigo, por sua vez, é
retratado indistintamente e sem
relevo, como os seres "do mal" que
temos de eliminar nos videogames
para seguir no jogo.
Todo o drama de "Soldado
Ryan" baseia-se nessa dialética entre o indivíduo e a massa, a identidade humana e o anonimato coletivo. Morreram milhões de pessoas na guerra, mas quem se importa? Nos anos 20, Borges já observava que o cinema americano
havia aprendido que "a multidão é
menos que um homem".
Não é só nos diálogos que o filme
discute a toda hora se "vale a pena
sacrificar todo um grupo por apenas um indivíduo". Sua própria
linguagem visual baseia-se nessa
polarização -e acaba, claro, optando pelo indivíduo, na mais evidente transposição cinematográfica da ideologia liberal norte-americana.
Temos a impressão de assistir a
dois filmes ao mesmo tempo: um
(o das alucinantes cenas de batalha) que mostra, num hiper-realismo quase intolerável, a destruição
de corpos anônimos; outro, que
encena o melodrama de indivíduos-tipo, com os quais nos identificamos sentimentalmente.
No primeiro desses filmes, prevalece o talento de Spielberg para
criar imagens fortes e originais. No
segundo, seu sentimentalismo patriótico e reacionário.
Quando faz do cinema sua pátria, Spielberg pode ser -e frequentemente é- um grande artista.
²
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Filme: O Resgate do Soldado Ryan
Produção: EUA, 1998
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Tom Hanks, Matt Damon, Ed Burns
Onde: pré-estréia hoje, nos cines
Aricanduva 4, Morumbi 4, Metrô Tatuapé 4,
Interlar Aricanduva 9 e SP Market 10
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