São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

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Crítica/"Nu de Mim Mesmo"

Com delicadeza, atores da Teatro Autônomo conquistam o público

Dirigida por Jefferson Miranda, um dos trunfos da peça sobre a singeleza da vida é encenação em tom intimista

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O espetáculo "Nu de Mim Mesmo", da Cia. Teatro Autônomo, atualiza a situação primitiva do teatro, quando se reuniam seres humanos em volta do fogo, ouvindo histórias que algum deles se arriscasse a contar.
Propõe ao reduzido público que recepciona uma imersão, de quase quatro horas, em várias pequenas histórias de homens e mulheres comuns. A despretensão dos temas e a simplicidade da execução não escondem uma sofisticada elaboração dramática, em sintonia fina com procedimentos contemporâneos de encenação, e alguma afetação.
Já pelo espaço traçado -um quadrado de 50 cadeiras com o centro vazio e cercado por telas por todos os lados- o espectador se sente incluído e cúmplice. O primeiro estranhamento, na sequência de suaves surpresas que o espetáculo propicia, vem quando um rosto em plano fechado aparece projetado em três das telas circundantes. Ele canta a "canção de mim mesmo", com melodia insidiosa e letra introspectiva. Não o faz bem e a proposição beira o ridículo. Mas há o frescor do inesperado e uma feliz provocação a padrões teatrais consagrados.
Quando começa o enovelamento de singelas sagas humanas de todos os dias, a princípio com diálogos banais e atuações hipernaturalistas, chega-se a duvidar que aquilo poderá ir longe. As inquietações existenciais de um físico no auge da carreira compartilhadas com um colega de departamento emoldura esses momentos iniciais e serve, até o final, como um fio condutor para o público. Contudo, logo, de diversas maneiras e com expedientes imprevistos, irão se somando fragmentos de cenas e esboços de personagens para costurar uma trama ampliada e densa em seus entrecruzamentos.

Encenação intimista
As telas e as constantes imagens pré-gravadas servem como uma expansão, ou reverberação, das trocas intersubjetivas dos personagens, ou de seus solilóquios como narradores.
Não demora que o espectador esqueça de atentar especialmente a elas e as capte distraído, integradas no ambiente. Outro aspecto notável é a solução cenográfica de ir acumulando os móveis e objetos que cada uma das cenas narradas exige. Eles vão sendo deixados no espaço de atuação e são a expressão objetiva do acúmulo de acontecimentos singulares que foram sendo tecidos às vistas do público, como uma mágica cujo truque estivesse a nu. Confirmando esse empilhamento e garantindo sua legibilidade, todos os objetos depositados na cena, e os próprios personagens, serão etiquetados.
O maior trunfo do espetáculo é a delicadeza e eficácia com que os cinco atores, impecáveis, jogam com o público e conquistam sua participação. O encenador e roteirista Jefferson Miranda, divide a concepção e direção de arte com Flávio Graff, o cantor do início. Quando, no final, ele canta de novo que "agora não importa mais ser herói", percebe-se um certo problema: a contradição entre as intenções dos criadores e sua realização. Todo o esforço de negar o grande feito, e os seguidos elogios à singeleza da vida, são traídos pelo tom afetado que ali transparece.


NU DE MIM MESMO
Onde:
Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700)
Quando: sex. a dom., às 19h; até 15/3
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom



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