|
Texto Anterior | Índice
Crítica/"Nu de Mim Mesmo"
Com delicadeza, atores da Teatro Autônomo conquistam o público
Dirigida por Jefferson Miranda, um dos trunfos da peça sobre a singeleza da vida é encenação em tom intimista
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O espetáculo "Nu de
Mim Mesmo", da Cia.
Teatro Autônomo,
atualiza a situação primitiva do
teatro, quando se reuniam seres humanos em volta do fogo,
ouvindo histórias que algum
deles se arriscasse a contar.
Propõe ao reduzido público
que recepciona uma imersão,
de quase quatro horas, em várias pequenas histórias de homens e mulheres comuns. A
despretensão dos temas e a
simplicidade da execução não
escondem uma sofisticada elaboração dramática, em sintonia fina com procedimentos
contemporâneos de encenação, e alguma afetação.
Já pelo espaço traçado -um
quadrado de 50 cadeiras com o
centro vazio e cercado por telas
por todos os lados- o espectador se sente incluído e cúmplice. O primeiro estranhamento,
na sequência de suaves surpresas que o espetáculo propicia,
vem quando um rosto em plano
fechado aparece projetado em
três das telas circundantes. Ele
canta a "canção de mim mesmo", com melodia insidiosa e
letra introspectiva. Não o faz
bem e a proposição beira o ridículo. Mas há o frescor do inesperado e uma feliz provocação
a padrões teatrais consagrados.
Quando começa o enovelamento de singelas sagas humanas de todos os dias, a princípio
com diálogos banais e atuações
hipernaturalistas, chega-se a
duvidar que aquilo poderá ir
longe. As inquietações existenciais de um físico no auge da
carreira compartilhadas com
um colega de departamento
emoldura esses momentos iniciais e serve, até o final, como
um fio condutor para o público.
Contudo, logo, de diversas maneiras e com expedientes imprevistos, irão se somando
fragmentos de cenas e esboços
de personagens para costurar
uma trama ampliada e densa
em seus entrecruzamentos.
Encenação intimista
As telas e as constantes imagens pré-gravadas servem como uma expansão, ou reverberação, das trocas intersubjetivas dos personagens, ou de seus
solilóquios como narradores.
Não demora que o espectador
esqueça de atentar especialmente a elas e as capte distraído, integradas no ambiente.
Outro aspecto notável é a solução cenográfica de ir acumulando os móveis e objetos que
cada uma das cenas narradas
exige. Eles vão sendo deixados
no espaço de atuação e são a expressão objetiva do acúmulo de
acontecimentos singulares que
foram sendo tecidos às vistas
do público, como uma mágica
cujo truque estivesse a nu. Confirmando esse empilhamento e
garantindo sua legibilidade, todos os objetos depositados na
cena, e os próprios personagens, serão etiquetados.
O maior trunfo do espetáculo
é a delicadeza e eficácia com
que os cinco atores, impecáveis, jogam com o público e
conquistam sua participação. O
encenador e roteirista Jefferson Miranda, divide a concepção e direção de arte com Flávio
Graff, o cantor do início. Quando, no final, ele canta de novo
que "agora não importa mais
ser herói", percebe-se um certo
problema: a contradição entre
as intenções dos criadores e sua
realização. Todo o esforço de
negar o grande feito, e os seguidos elogios à singeleza da vida,
são traídos pelo tom afetado
que ali transparece.
NU DE MIM MESMO
Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida
Paulista (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700)
Quando: sex. a dom., às 19h; até 15/3
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom
Texto Anterior: Salas paulistanas exibem "Lúcia de Lammermoor", ópera do Metropolitan Índice
|