São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2010

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Crítica/cinema/"O Direito de Amar"

Tom Ford cria melodrama vigoroso

Estilista americano opta por "estetizar" história do professor que perde o companheiro e tem dificuldade para seguir vivendo

Divulgação
George (Colin Firth) e Charley (Julianne Morre) em cena de "O Direito de Amar"; ator foi premiado em Veneza e no Globo de Ouro

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

Quando o estilista americano Tom Ford anunciou que faria um longa-metragem baseado no romance "A Single Man", de Christopher Isherwood (1904-1986), pouca gente imaginou que seria tão bem-sucedido. Ford, 47, é um dos nomes-chave da moda dos anos 80. Foi ele quem tirou a Gucci do ostracismo e substituiu Yves Saint Laurent quando este vendeu sua marca para o grupo PPR.
Hoje, dedica-se à grife de luxo batizada com o seu nome.
Conhecido por suas criações sexies, pelo apuradíssimo senso de marketing e pelo explícito narcisismo, Ford parecia mais inclinado a fazer vinhetas publicitárias do que a dirigir filmes de cinema. Qual não foi a surpresa, porém, quando "Direito de Amar" (o ridículo título brasileiro de "A Single Man") foi apresentado no Festival de Veneza do ano passado.
Ford havia realizado um filme suficientemente apurado em termos cinematográficos, pouco concessivo do ponto de vista comercial e dotado de intensidade dramática.
Além disso, criou um dos personagens mais marcantes do ano no cinema -o professor homossexual George, interpretado pelo britânico Colin Firth, 49. Não foi à toa que o ator ganhou o prêmio de interpretação de Veneza e levou o Globo de Ouro.
A interpretação de Firth justifica por si só a existência deste filme. Pode-se mesmo dizer que ele é um coautor de "Direito de Amar", tamanha a força de sua atuação. Outro mérito da produção é lançar luz sobre o livro de Isherwood, um dos raros romances homossexuais com alguma estatura literária.
Quem leu o livro, no entanto, há de estranhar várias coisas no filme. A começar que o protagonista de Isherwood não planeja seu suicídio. Ao contrário, ele passa o romance inteiro buscando provar a si mesmo que a vida vale a pena. "Como é bom ter um corpo. Estou vivo", diz ele no livro de 1964.
Além disso, o George do romance é bem mais complexo, cínico, violento e também menos requintado que o personagem desenhado por Ford -ele vive numa casa modesta, não anda de Mercedes Benz, não se preocupa com roupas chiques e nem com seguros de vida.
Sobretudo, Ford amenizou demais a força crítica e política do livro. O George de Isherwood tem uma visão depreciada do "american way of life" e cogita que a única forma de a minoria homossexual se impor socialmente seria por meio de uma "campanha sistemática de terror" (nas palavras do autor), baseada na força bruta.
É essa ferocidade crítica, esse olhar politicamente incorreto que mantêm atual o livro, mesmo depois do florescimento do movimento homossexual e das políticas afirmativas nos EUA.
Em Isherswood, a narrativa se faz num permanente conflito entre sujeito e sociedade.
Ford optou por interiorizar e "estetizar" a história e o personagem. O resultado é um melodrama vigoroso. Mas é o caso de indagar se o diretor não chegou à forma muito artisticamente correta de seu filme ao custo de sacrificar a intensidade rebelde da escrita de Isherwood.

Avaliação: bom


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