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LITERATURA/CRÍTICA
Obra organizada por Izaías Almada reúne entrevistas de artistas que fizeram a história do grupo
"Arena" examina dias de movimentos coletivos
SÉRGIO DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Teatro de Arena: Uma Estética da Resistência" é um
livro que se move entre a recordação afetiva e a preocupação com o
futuro da vida cultural no país.
Não há fixidez nessas entrevistas
discordantes, entremeadas por
relatos do autor, Izaías Almada,
que integrou o elenco do Arena
no período dos grandes musicais
e sabe evitar o sentimento imobilista de que "a vida foi ontem".
Ao se pôr do lado da incerteza,
Almada move suas inquietações
em torno da pergunta: por que
tantas iluminações artísticas viraram artigo de consumo? Sua atitude inconformista o diferencia
de intelectuais e artistas dessa geração que solidificaram a certeza
da inevitabilidade do pior e, hoje,
desqualificam a ingenuidade de
seu passado de esquerda, reduzindo a dimensão dos atos pela
medida dos enganos ideológicos.
De fato a orientação "nacional-popular" para a cultura, oferecida
pelo Partido Comunista, vinha
junto a uma "visão curta da realidade brasileira", nas palavras de
Chico de Assis. Mas contra um
aburguesamento culpado e um
antiidealismo abstrato, Almada
tenta entender como as práticas
coletivizantes puderam superar a
precariedade doutrinária e produzir um material artístico novo.
A última entrevista do livro toca
no nervo do problema, no momento em que Antonio Fagundes
diz que ao Teatro de Arena só interessava a qualidade: "Nós não
podíamos estar fazendo uma coisa tão boa para tão pouca gente".
Paradoxalmente, o mesmo argumento discutível tinha levado,
em 1961, a uma dissidência produtiva dentro do Arena, que criou
o CPC: era preciso uma arte popular capaz de "atingir as massas". A história do país sob a ditadura, contudo, não permitiu que
perdurassem as invenções experimentais e coletivistas daquele
movimento que sonhou uma "ida
ao povo" bem diferente da que faz
a Rede Globo. Restou a alternativa
idealista de interferir no sistema
de produção simbólica apenas individualmente, numa negociação
com o mercado cultural em formação. Sem espaços igualitários
de trabalho, os discursos se homogeneizaram: a necessidade de
sobrevivência e a dificuldade em
reconhecer a insuficiência da ação
apenas "cultural" propagaram a
ideologia cada vez mais abstrata
da "quantidade necessária". O valor da irradiação qualitativa do
teatro não importa mais. Iniciou-se um ciclo de diluição artística da
representação brasileira ordenado pelo padrão medíocre do supermercado mundial da cultura.
O Teatro de Arena foi um laboratório em que muitos artistas
aprenderam a olhar a miséria brasileira de frente e a reconhecer-se
na imagem. O caminho da qualidade foi traçado após 1958, com
"Eles Não Usam Black-Tie", de
Gianfrancesco Guarnieri. O sucesso da peça devia ser ampliado,
e a força do assunto operário (que
já tinha aparecido antes no teatro
brasileiro sem maior repercussão) agregou a equipe em torno
de um inédito "sentimento da história brasileira", forte o bastante
para instaurar um modo mais coletivo de construir a cena. Os estudos dramáticos do Seminário de
Dramaturgia do Arena não se realizariam sem uma atitude extraficcional que se imprimia no palco: o Arena se tornou um lugar
em que as funções de atores, autores e diretores ganharam sentido
simbólico frente à exigência de
mobilização da época. Era essa inter-relação que não podia ser levada para a TV, que procurava
um desenvolvimento industrial.
Numa notável omissão, o autor
não dá voz consistente a Augusto
Boal e Guarnieri, que talvez tenham opinião sistematizada sobre a época. Não é o caráter dos
protagonistas que interessa, mas
os movimentos coletivos. As ausências têm importância épica no
conjunto desse livro, que depende
da colaboração do leitor, assim
como o Teatro de Arena dependeu do espectador para existir,
num tempo em que a relação fundamental com a cultura não era a
do consumo hedonista.
Sérgio de Carvalho é diretor integrante
da Companhia do Latão
Teatro de Arena
Autor: Izaías Almada
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 25, em média (159 págs).
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