São Paulo, Terça-feira, 09 de Fevereiro de 1999
Próximo Texto | Índice

A artista, que faria 90 anos hoje, é celebrada em vários eventos e tem sua vida comentada em nova biografia
Cidade homenageia Carmen Miranda

Reprodução
Carmen Miranda numa de suas clássicas fotos



ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas

Na biografia "Carmen Miranda Foi a Washington", nossa Pequena Notável demora um tanto para partir. Antes, a autora, Ana Rita Mendonça, faz um longo passeio pela década de 30, a revolução, a ditadura Vargas, a época de ouro da música popular brasileira, o nascimento da protochanchada da Cinédia e tal e coisa.
Uma sucessão de clichês que, no entanto, para os mais desavisados, serve de introdução ao mundo que viu nascer a estrela Carmen Miranda, até hoje a cantora brasileira de maior sucesso nos EUA.
A portuguesinha carioquíssima, de olhos verdes buliçosos, chapeleira de ofício e cantora por vocação, emerge nesse mundo, vez por outra, e se esconde novamente quando a autora arremete sobre as armações do governo Roosevelt para estabelecer a política da boa vizinhança, plataforma de lançamento de Carmen à Broadway e, em seguida, a Hollywood.
Deus, parece que foi ontem que o jornalista José Ramos Tinhorão incendiou o país com a tese que hoje está incorporada à biografia de Carmen. Menos mal.
Mesmo porque Ana Rita Mendonça o que faz é compilar, com acuro e empenho, documentos oficiais, recortes de jornais e revistas e livros, aos quais junta alguns depoimentos de testemunhas de episódios marcantes desse período.
Salpica tudo com algumas letras dos sucessos da cantora, e, em alguns momentos, quando tenta se embrenhar pelo bananal de matéria plástica que ornava os célebres turbantes da artista, leva como guia Lacan e algumas feministas anônimas. (A propósito, é bom avisar: todos os textos, entrevistas, letras de música e frases ditas em inglês ficam no original. A tradução vai lá no final do capítulo.)
É quando desenvolve a única tese do livro: Carmen como um objeto do desejo de dois mundos -o civilizado e o natural. O civilizado é o americano; o natural, claro, nosotros. Lê-se, então, no subtexto, que Carmen foi vítima da coisificação, embora lutasse para manter sua identidade humana.
Mais ou menos o que a própria autora fez com sua personagem: ao longo de todo o livro, Carmen é um objeto levado daqui pra lá, colocado em cena, tirado de cena, analisado por este ou aquele jornalista; ora, um ícone da pátria; ora, uma abjeta traidora dos mais caros valores nacionais.
A Carmen Miranda, persona, desde a menina divertida e sensual da Travessa do Comércio dos anos 20 até a máscara mortuária que desembarcou no Rio nos plastificados anos 50, essa não tem vida.
Nem mesmo a estrela, como tal, merece uma análise mais aprofundada. O que fez de Carmen, uma cantora de voz estridente, que regularmente desafinava nas notas altas, essa intérprete fenomenal?
Por certo, não era a tão decantada brasilidade se levarmos em conta a opinião que Noel Rosa tinha de sua interpretação. Para Noel, Carmen cantava tango, qualquer coisa, menos samba.
Hollywood imortalizou apenas uma caricatura de Carmen. Mas, antes de partir, por aqui, Carmen era um sucesso como nenhuma outra cantora fora antes e só Elis Regina, décadas depois, o seria.
Talvez um dos slogans que o radialista César Ladeira lhe pespegou -A Garota do It- possa servir de pista. It, na gíria dos anos 30, significava aquele algo mais, o diferencial, carisma. It talvez seja o id freudiano. O it e o id de Carmen Miranda, eis um livro que ainda está para ser escrito, com a alma do escritor, não do pesquisador.
Enquanto isso não acontece, vale a pena folhear o livro de Ana Rita Mendonça. Lá está, pelo menos, desenhado com precisão, embora sem arte, o cenário onde nasceu, viveu e morreu a Pequena Notável.

Livro: Carmen Miranda Foi a Washington
Autor: Ana Rita Mendonça
Lançamento: Record
Quanto: preço ainda não definido;
lançamento em março



Próximo Texto: Palavras irmãs
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.