São Paulo, sábado, 09 de junho de 2001

Texto Anterior | Índice

TEATRO

Peça dirigida por Celso Frateschi está em cartaz no teatro Ágora

Boas interpretações expõem angústia de "Antes do Café"

KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA

Na perspectiva de uma tragédia moderna, dizia Eugene O'Neill, agora montado pelo Ágora, que a angústia é o castigo do homem. Em lugar do divino, o espírito trágico nasce de sua própria consciência sobre as limitações que o mundo social impõe.
Pois "Antes do Café" é uma pequena tragédia dos tempos modernos, em que a queda do herói é devida menos à ordem metafísica e mais à derrocada de certos valores, no movimento objetivo das relações sociais.
No final da década de 20, época propícia aos dramas de toda ordem, uma jovem costureira (Jerusa Franco) e seu marido, poeta e desempregado (Geraldo Lozzi), vivem o balanço de uma relação gestada em meio à miséria. A ação se passa entre o final da noite e o amanhecer do dia seguinte.
A montagem torna o diálogo dramático de duas formas: sustentado na ação sem palavras do marido, que permanece durante todo o tempo no gesto calado, segredando pensamentos em permanente ameaça; e absorvido no monólogo da mulher, com sua fala amargurada, em uma sucessão de cobranças e acusações (o idealismo artístico e as necessidades de sobrevivência).
A observação sutil da mudança de comportamento diante da situação social que a condiciona é o fundo da peça, revelado por trás dos fatos, nas falas e gestos dos personagens. O cotidiano do casal, revivido em um ritual patético, inscreve a vida num circuito alienante, tornado quase histérico a partir do início da ação.
O lamento objetivo da mulher (necessariamente pequeno, que clama por pão e café quente) é o contraponto da vontade de transcendência representada no poeta. É nessa desmedida que o conflito se instala. Entre os dois, a história pessoal é revista em um balanço em que fatos comezinhos teimam em pesar mais que a promessa de futuro e poesia.
Diante de um texto que pode ser facilmente pautado nos tempos do naturalismo televisivo, a montagem dirigida por Celso Frateschi preocupa-se em investigar seus próprios modos de construção da dramaticidade. Para criar uma partitura de ações físicas mais ou menos rigorosa (que neste caso têm importância essencial), os atores se amparam nos pequenos escombros-objetos de uma sala-cozinha e dialogam com o ambiente enquanto fazem a digressão difícil da afetividade abalada de seus personagens.
Sem desprezar os poucos pontos de tensão indicados na dramaturgia, a direção do espetáculo preferiu caminhar "por fora" dos grandes climas, centrando toda a atenção na angústia aparentemente ilhada da mulher. Tendo sempre como resposta o silêncio do outro, o personagem verbaliza todas as contradições do conflito e cria o chão necessário para que o desfecho seja verossímil.
Geraldo Lozzi vai bem no papel do poeta falido, posto à dura tarefa de constituir não apenas respostas sem falas, mas de transformar em gesto expressivo o vazio da palavra. Talvez um crescente menos sutil no movimento que leva o personagem até o desfecho possa evidenciar qualidades apontadas. Já a vigorosa interpretação de Jerusa Franco faz a jovem costureira de O'Neill passear com igual intensidade entre o desespero, o ciúme e algum momento de amor ou de solidariedade arrependida, características que encontram espaço nessa montagem.


Antes do Café
   
Texto: Eugene O'Neill
Direção: Celso Frateschi
Com: Jerusa Franco e Geraldo Lozzi
Onde: teatro Ágora (r. Rui Barbosa, 672, Bela Vista, tel. 284-0290)
Quando: qui. e sáb., às 21h; dom., às 19h
Quanto: R$ 15



Texto Anterior: Mestre Ambrósio faz show "junino"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.