São Paulo, sábado, 09 de julho de 2005

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TEATRO/CRÍTICA

Obra-prima de Chico Buarque ganha montagem de turma da EAD, que recupera energia da peça

Estudantes reanimam "A Ópera do Malandro"

Divulgação
Cena da montagem de "A Ópera do Malandro" por turma da EAD


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quinta-feira passada: com a devoção dos carteiros, o crítico contorna uma deserta e gelada praça do Relógio no campus da USP na certeza de um espetáculo cancelado por falta de público. Só bem perto que se revela o improvável: uma pequena multidão se aglomera na porta.
Faz sentido. Nesses dias em que desfilam cinismos na CPI dos Correios, é preciso lavar a alma com essa mistura delicada de deboche e lirismo que é "A Ópera do Malandro". A obra-prima teatral de Chico Buarque, de 1978, nunca deixou de ser montada, mas andou se perdendo em "desconstruções" pedantes ou sendo esterilizada por excessos comerciais. No teatro estudantil, a "Ópera" está em casa. Essa turma 55 da Escola de Arte Dramática, em sua primeira aparição pública, tem a oferecer sua energia contagiante, uma reserva de personalidades a serem lapidadas, mas que recebem desde já uma massagem de ego por uma platéia vibrante.
O espetáculo é meticulosamente embalado, com direito a apoteoses de teatro de revista, um ágil cenário de José de Anchieta e trocas de figurinos além do que seria previsível com os R$ 1.000 que a produtora Bertha Heller soube multiplicar. Conta também com uma afiada banda que garante o som ao vivo e um projeto de luz belo e eficiente de Denílson Marques e Iacov Hillel, um diretor que domina o musical como poucos.
Confiando nas gargantas e nas pernas, que cumprem com molejo marcas e coreografias precisas de Ana Maria Spyer, o elenco entra como a seleção, confiando nos talentos individuais, cada qual brandindo seu cartão de visitas.
E funciona. Já na comissão de frente vem Lívia Guerra, todo o Brasil descendo a ribalta, puxando um coro de malandros e prostitutas no qual cada um sabe exatamente quem é e o que faz, com destaque para a Fichinha de Lívia Camargo, que alinhava a peça. O aprumo faz com que Luís Roberto Soares (delegado Chaves) e Sílvia Suzy (Vitória, a primeira-dama da corrupção) superem a pouca idade para o papel, e se Alexandre Cruz, no papel central de Duran, se apóia um pouco demais nos mesmos trejeitos, acaba remetendo a Zé Trindade, o que não é mal para essa chanchada cult.
Superam o esperado a Geni de Luciano Andrey, que fica na sombra até o exuberante solo final, e o digno Max de Júlio Machado, malandro expressionista. Érika Altimeyer surge como Lúcia, como um artilheiro que entra no segundo tempo, com o time ganhando de goleada, e marca seu gol.
Cabe a Ana Maria Martins o momento inesquecível. Seu solo de Terezinha, com direito a músicos em campo, é sem dúvida notável. Mas deixa sua marca quando, como não quer nada, cantarola a marcha nupcial com todos os trejeitos do musical da Broadway, deixando o teatro Abril despedaçado. Muito deve vir ainda para essa turma, a aprendizagem da interiorização, da elegância da invisibilidade a serviço de um texto com outras exigências. Mas garantiram desde já lembranças privilegiadas dessas noites quentes da "Ópera do Malandro".


A Ópera do Malandro
    
Onde: Teatro Laboratório ECA - sala Alfredo Mesquita (av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215, Cidade Universitária, tel. 3091-4376
Quando: qua. a sáb., às 20h30h; dom., às 19h30. Até o dia 17
Quanto: entrada franca



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