São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

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"DANÇA DAS MARÉS"

Espetáculo do coreógrafo paulista com adolescentes de favela carioca estréia no Sesc Ipiranga

Bertazzo cria utopia realizável do Brasil

INÊS BOGÉA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Integração total nesta "Dança das Marés", que recria o cotidiano de adolescentes de uma região de risco do Rio de Janeiro. Em cena, estão 62 integrantes do Corpo de Dança da Maré, sob a direção de Ivaldo Bertazzo.
A música, composta por Marco Antônio Guimarães, fica a cargo do grupo Uakti e seu arsenal de novos instrumentos. O roteiro é de Drauzio Varella, baseado no depoimento dos meninos. Cenário e figurino completam um dos espetáculos mais fortes da temporada, sob qualquer ponto de vista.
É a força da arte, aqui, que exerce função social, não o contrário. Não há nada de ideologicamente forçado no texto: a colagem de citações dos próprios bailarinos abarca desde episódios impressionantes de violência local até ritos universais da adolescência. É justamente o contraponto desses registros com o que se vê no palco -a dança apurada da companhia- que confere um tom específico de brasilidade a esse espetáculo. Sem choro e sem ranço.
Este é o primeiro ano em que os meninos dominam, praticamente, toda a cena. Com técnica corporal afinada e consciência vivida da dança, a meninada pode se aventurar no que quiser.
Uma estrutura oval, de paredes inclinadas, permite à dança acontecer em vários níveis: o chão, as ladeiras e a passarela no alto. Criada para o espetáculo, a trilha tem de solo de trombone a cuia d'água, de tubos de PVC até clássicos como a "Sagração da Primavera", de Stravinski, que fecha a noite.
Na dança chama a atenção a participação mais efetiva dos bailarinos na criação de algumas cenas e os engenhosos deslocamentos espaciais propostos por Bertazzo. Uma dança rica em acentos e malemolências, que acompanha internamente as mudanças da narrativa. No início mais solta, com saltos e giros em várias direções; no final uma dança de queda e recuperação, onde os grupos se cruzam em linhas horizontais, contrapondo-se à massa que se organiza nos diferentes planos.
O que mais importa, quando se sai empolgado de um espetáculo desses? Ninguém esquece que esses meninos vêm de onde vêm, que estão fazendo algo digno e raro, com a face aberta e corajosa de quem entra no palco para dançar. Mas o que fica na memória não é uma lição, é uma emoção. Só depois, na calma possível dos dias, será possível medir a grandeza lúcida do que se viu. A arte ali aponta, sem irrealismos, para uma utopia realizável do Brasil.

A jornalista Inês Bogéa viajou ao Rio a convite da produção do espetáculo

Dança das Marés


    
Onde: ginásio do Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, tel. 3340-2000)
Quando: de hoje a 27 de outubro; de quarta a sábado, às 21h; domingo, às 19h
Quanto: de R$ 3 a R$ 12
Patrocinador: Petrobras



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