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CRÍTICA
Delicada e sincera, "Por Elise" parece feita para cada espectador
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Grace Passô tem abacateiros
em seu quintal. Vive com
medo de um deles cair na sua cabeça. "Cuidado com o que você
planta", avisa ela logo no começo
do espetáculo "Por Elise", como
quem segura o riso (ou o choro).
O conselho, pleno de ingenuidade e sabedoria na melhor tradição popular, parece derivar do
"cuidado com o que você deseja,
porque pode dar certo": ao mesmo tempo, encoraja ao desejo e
adverte sobre suas possíveis conseqüências.
Como uma fábula de formação,
seguindo o caminho do haicai em
seus saltos narrativos e seus silêncios profundos, "Por Elise" tira
poesia até mesmo da música dos
caminhões de gás (sim, é a ela que
o texto alude).
Frases banais vão ganhando
profundidade a cada repetição, e
o público descobre, encantado,
que está recebendo profundas lições de vida de um elenco tão jovem. Cada metáfora, contundente e inesperada, cai com precisão,
enchendo o ouvinte de dor e doçura: "Espanca doce", como a
queda do abacate, dando nome ao
grupo que saiu de Belo Horizonte
com seu primeiro trabalho e vem
se consagrando pelo Brasil todo.
Personagem de si mesma, Grace
mostra em seu texto encontros
entre personagens implausíveis,
como a gente encontra na vida cotidiana. Uma moça, desorientada
por ter que sacrificar seu cachorro
(Samira Ávila, delicada e intensa),
se apaixona pelo lixeiro, que parece saber onde vai (Gustavo Bones,
de uma simpatia irresistível). O
moço que vem para sacrificar o
animal se mostra mais profundo
que sua profissão deixaria pensar:
sonha em ir para o Japão (Paulo
Azevedo nunca cai no caricatural
com um personagem tão difícil) e
acaba se deixando contagiar pela
fragilidade do mundo. Marcelo
Castro, que faz um personagem
que se revela aos poucos, está
inesquecível.
A múltipla Passô, na direção, sabe coordenar e compartilhar a
criação do espetáculo: refere-se
aos atores como "intérpretes criadores", faz o tai-chi da direção de
movimentos reverberar tanto na
trilha de Daniel Diazepam quanto
no preparo vocal de Le Thi Bich
Huong, enquanto que o figurino
de Marco Paulo Rolla revela com
poucos recursos o essencial de cada personagem. Com essa dinâmica, o grupo Espanca! remete à
Cia. Livre de Cibele Forjaz.
Encerrando a temporada hoje,
"Por Elise", com sua delicadeza e
maturidade, é um desses espetáculos que parece ter sido feito especialmente para cada um da platéia. Deixa saudades, como uma
conversa sincera entre amigos.
Voltem sempre.
Por Elise
Texto e direção: Grace Passô
Com: grupo espanca!
Quando: hoje, às 19h; último dia
Onde: Sesc Belenzinho (r. Álvaro Ramos,
915, Quarta Parada, região leste de São
Paulo, tel. 6602-3700)
Quanto: R$ 15 (estudantes pagam
meia-entrada)
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