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DANÇA/CRÍTICA
Gabriel Castillo coloca em jogo os problemas da vida diária
Cia. 2 encena crises cotidianas
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Um túnel preto, baixo e
estreito leva a um ambiente claro e amplo, onde
uma moça anuncia o bingo e
um rapaz abraça os escolhidos
que chegam.
Assim começa "Lei de Nada", conquistando a cumplicidade da platéia. Em cartaz desde o dia 3 de abril (até dia 18), o
espetáculo da Cia. 2 do Balé da
Cidade de São Paulo tem concepção e direção do venezuelano Gabriel Castillo.
Confissões, pequenas crises
da vida diária, questionamentos humanos postos em jogo
de forma escancarada: cada
um dos oito intérpretes criou
suas cenas num registro onde
questões sociais se cruzam e traduzem nos limites físicos.
A sucessão de cenas e mais cenas vai compondo um mosaico:
Osmar Zampieri entra com
uma escada na mão, anda em
círculos, pára, tira a roupa quase
toda; então surge Mara Mesquita, carregando uma mala, de salto alto, calcinha e sutiã. Maurício Martins canta e chama a platéia para cantar com ele. Lilia
Shaw grita os números de um
bingo impossível. Raymundo
Costa se afoga com o som forte
de água, enquanto Cláudia Palma lhe oferece copos d'água.
Armando Aurich pergunta se
seu coração está vivo, e Andréa
Maia comenta os prazeres do
casamento. O grupo se reúne
para cantar parabéns monocordicamente, numa falsa comemoração.
"Lei de Nada" assume o risco
da teatralização excessiva, a partir daquilo que o trabalho tem
de mais escandaloso. As "verdades" da vida são sempre matéria
perigosa, para quem se entrega
em cena ao jogo da sabedoria. E
o ritmo, aqui, vira um instrumento difícil de expressão: se
cada cena é enxuta e concisa, o
tempo da peça como um todo
resulta largo, talvez excessivo.
A Cia. 2, formada por bailarinos com anos de experiência no
Balé da Cidade, busca ampliar
as possibilidades de linguagem
da dança. Para tal, vale-se não
apenas dos movimentos -gestos, passos-, mas da fala, da interpretação e do canto.
O corpo descobre outros instrumentos; e o corpo é o espelho, onde o que se vê é reflexo de
onde bate a luz. Não poderia haver projeto mais meritório, em
que pesem eventuais limitações.
O cenário de Daniela Thomas e
Patrícia Rabatt tem papel fundamental nesse contexto: uma
casa aberta, que instala um clima de consumo humano, de
troca, assim como de recolhimento e revelação. Por exemplo, no duo de Andréa Maia e
Armando Aurich, que se passa
através de um vidro, no alto da
cena, os dois parecem roubar
seu entendimento da superfície,
deixando aparecer o que está
atrás.
A luz de André Boll sugere
bem mais que contornos estáveis, ou fragmentos desbotados
dos movimentos; por vezes quase imperceptível, dá densidade e
acentua os sentidos.
A passagem está aberta, do
formal ao afetivo, num terreno
instável. Independentemente da
linguagem explorada, talvez
ainda falte encontrar, no silêncio como no ruído, uma fala
mais justa dos corpos.
Lei de Nada
Direção: Gabriel Castillo
Com: Cia. 2 do Balé da Cidade
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel.
3871-7700
Quando: hoje, 15, 16 e 17, às 21h e
amanhã e 18 às 18h30
Quanto: de R$ 3,00 a R$ 10,00
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