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São Paulo, sábado, 10 de maio de 2003

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RETROSPECTIVA

Cinesesc coloca em exibição a partir de hoje sete obras da filmografia do diretor polonês

Como o primeiro Godard, Wajda é romântico incurável

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Ao entrar, no pós-guerra, para a famosa escola de cinema de Lodz, Andrzej Wajda vinha de um árduo período de sobrevivência e luta.
Durante a Segunda Guerra, ele ajudara, entre um bico e outro, as forças da Resistência a vencerem nazistas e colaboracionistas poloneses. Seu cinema será marcado, não por acaso, pela desconfiança em relação às palavras de ordem, pela resistência às ideologias que haviam transformado o cinema do pré-guerra num modelo teatral-propagandístico.
"O cinema é uma arte que se dirige às massas. Interessa a todos que pretendem dirigir as massas. O diretor de cinema se acha, de modo inelutável, situado entre o público e o poder... O verdadeiro artista tem necessidade de uma liberdade de certa forma dupla: liberdade em relação ao poder, liberdade em relação ao público", afirma Andrzej Wajda em seu livro de notas "Um Cinema Chamado Desejo".

Cooperativa
Essa (dupla) liberdade, o cineasta, expoente da geração que lançou a cinematografia polonesa no cenário internacional do pós-guerra, conseguiu graças ao regime de autogestão da indústria cinematográfica do país.
Graças ao chamados Conjuntos de Criação Cinematográfica, cooperativas cujo núcleo duro era formado por um diretor artístico (quase sempre cineasta), um diretor literário (escritor, crítico ou roteirista) e um diretor de produção. A de Wajda chamava-se Conjunto X e só foi dissolvida, por intervenção das autoridades, em 1982.
Era a autogestão que permitia a cineastas como Wajda, Kawalerowicz ("Madre Joana dos Anjos") e Andrzej Munk ("Heróico") trabalharem com uma relativa independência em relação ao regime soviético.
Ainda assim, havia a censura, o que, para Wajda, não chegava a ser um problema. O diretor acreditava que era possível e mesmo necessário conceber obras que tornassem inoperantes os procedimentos da censura.
"Não se pode censurar o que vai além da imaginação dos censores", dizia ele a respeito de seu clássico "Cinzas e Diamantes". A censura podia cortar algumas palavras do texto de seu filme, mas era incapaz de enquadrar a liberdade do comportamento do ator Zbyszek Cybulski (espécie de James Dean polonês, morto aos 20 anos de idade).
Cybulski vive, em "Cinzas e Diamantes" (1958), um mercenário, Maciek, encarregado pelos nacionalistas do "ancien régime" de matar um secretário do Partido Operário (comunista). Na noite planejada, ele se deixa levar pelos encantos de uma sereia.
Pego, fatalmente apaixonado, no meio da luta entre duas facções políticas rivais, Maciek descende dos protagonistas dos filmes noir de Samuel Fuller e tem, em relação ao "Le Petit Soldat" (1961) de Godard, uma comprovada paternidade. Tal como o Godard da primeira fase, Wajda é um romântico incurável. Como todos os protagonistas dos primeiros filmes de Godard, Maciek é um ser estético-desesperado cumprindo o seu périplo de amor e de morte.
Jerzy Andrzejewski, autor do romance que deu origem ao filme, queria que Wajda escolhesse o personagem do secretário comunista como protagonista. A escolha de Wajda por Maciek é uma escolha por independência política e liberdade criativa. Foi conservando uma postura assim que Wajda se consagrou como o cineasta que prenunciou, em seus filmes, a ascensão do movimento Solidariedade e o consequente processo de desestalinização da Polônia.


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