|
Próximo Texto | Índice
RETROSPECTIVA
Cinesesc coloca em exibição a partir de hoje sete obras da filmografia do diretor polonês
Como o primeiro Godard, Wajda é romântico incurável
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Ao entrar, no pós-guerra, para
a famosa escola de cinema de
Lodz, Andrzej Wajda vinha de
um árduo período de sobrevivência e luta.
Durante a Segunda Guerra, ele
ajudara, entre um bico e outro, as
forças da Resistência a vencerem
nazistas e colaboracionistas poloneses. Seu cinema será marcado,
não por acaso, pela desconfiança
em relação às palavras de ordem,
pela resistência às ideologias que
haviam transformado o cinema
do pré-guerra num modelo teatral-propagandístico.
"O cinema é uma arte que se dirige às massas. Interessa a todos
que pretendem dirigir as massas.
O diretor de cinema se acha, de
modo inelutável, situado entre o
público e o poder... O verdadeiro
artista tem necessidade de uma liberdade de certa forma dupla: liberdade em relação ao poder, liberdade em relação ao público",
afirma Andrzej Wajda em seu livro de notas "Um Cinema Chamado Desejo".
Cooperativa
Essa (dupla) liberdade, o cineasta, expoente da geração que lançou a cinematografia polonesa no
cenário internacional do pós-guerra, conseguiu graças ao regime de autogestão da indústria cinematográfica do país.
Graças ao chamados Conjuntos
de Criação Cinematográfica, cooperativas cujo núcleo duro era
formado por um diretor artístico
(quase sempre cineasta), um diretor literário (escritor, crítico ou
roteirista) e um diretor de produção. A de Wajda chamava-se
Conjunto X e só foi dissolvida,
por intervenção das autoridades,
em 1982.
Era a autogestão que permitia a
cineastas como Wajda, Kawalerowicz ("Madre Joana dos Anjos") e
Andrzej Munk ("Heróico") trabalharem com uma relativa independência em relação ao regime
soviético.
Ainda assim, havia a censura, o
que, para Wajda, não chegava a
ser um problema. O diretor acreditava que era possível e mesmo
necessário conceber obras que
tornassem inoperantes os procedimentos da censura.
"Não se pode censurar o que vai
além da imaginação dos censores", dizia ele a respeito de seu
clássico "Cinzas e Diamantes". A
censura podia cortar algumas palavras do texto de seu filme, mas
era incapaz de enquadrar a liberdade do comportamento do ator
Zbyszek Cybulski (espécie de James Dean polonês, morto aos 20
anos de idade).
Cybulski vive, em "Cinzas e
Diamantes" (1958), um mercenário, Maciek, encarregado pelos
nacionalistas do "ancien régime"
de matar um secretário do Partido Operário (comunista). Na noite planejada, ele se deixa levar pelos encantos de uma sereia.
Pego, fatalmente apaixonado,
no meio da luta entre duas facções políticas rivais, Maciek descende dos protagonistas dos filmes noir de Samuel Fuller e tem,
em relação ao "Le Petit Soldat"
(1961) de Godard, uma comprovada paternidade. Tal como o
Godard da primeira fase, Wajda é
um romântico incurável. Como
todos os protagonistas dos primeiros filmes de Godard, Maciek
é um ser estético-desesperado
cumprindo o seu périplo de amor
e de morte.
Jerzy Andrzejewski, autor do
romance que deu origem ao filme, queria que Wajda escolhesse
o personagem do secretário comunista como protagonista. A
escolha de Wajda por Maciek é
uma escolha por independência
política e liberdade criativa. Foi
conservando uma postura assim
que Wajda se consagrou como o
cineasta que prenunciou, em seus
filmes, a ascensão do movimento
Solidariedade e o consequente
processo de desestalinização da
Polônia.
Próximo Texto: Evento: "Tiros em Columbine" tem sessão gratuita Índice
|