São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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VISUAIS

Artista baiano, que participa em novembro da Bienal de Buenos Aires, inaugura exposição individual em São Paulo

Caetano Dias profana veneração estética

JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Iconoclasmo e sacralização caminham juntos na obra de Caetano Dias. O artista baiano, nascido na pequena e religiosa Feira de Santana, apropria-se de fotografias de sites pornográficos e as transforma em "santinhos eletrônicos" ou empresta da visualidade do comércio popular estátuas de santa Bárbara, cuja santidade ele transgride.
Os dois movimentos, do profano ao sagrado e vice-versa, estão presentes na exposição individual que Dias inaugura hoje na Marília Razuk. Na sala principal da galeria, com as paredes pintadas de preto, expõe 12 esculturas de fibra de vidro, pintadas uma a uma e perfuradas com broca. Dentro das santas violadas, o artista instalou uma lâmpada, que faz as esculturas emanarem luz.
A instalação, intitulada "Sobre a Virgem", completa-se com os depoimentos gravados de prostitutas, internas de hospital psiquiátrico e presidiárias inseridos em cada uma das peças. As 12 vozes simultâneas compõem uma sinfonia dissonante, em que declarações sobre loucura, sobre amor, família e sobrevivência, permeadas de um eventual cantarolar melancólico, complementam-se.
No mezanino da galeria, Dias apresenta fotografias da série "Santos Populares": são imagens captadas da internet e manipuladas em computador. A obscenidade torna-se dissimulada devido a desfoques da figura humana, e o tratamento de tonalidades e reenquadramento das cenas remetem à tradição pictórica.
Para o artista, a realização de novas ações simbólicas nesses objetos, sejam fotos ou estátuas sacras, faz aumentar a carga de memória deles, "ao mesmo tempo em que essas ações destroem a imagem, repotencializam os sentidos dessa imagem", afirma.
Finalmente, Caetano Dias exibe também o vídeo "Sopro", em que figura um porco no abatedouro, o sacrifício do animal como releitura dos relatos de Hans Staden sobre os rituais antropofágicos. O áudio da obra é uma angustiante respiração humana.
O instrumento utilizado para fazer o porco perder os sentidos é como um eco dos processos de desfocamento das fotografias ou de perfuração das esculturas. Toda a produção de Dias oscila entre calculadas estratégias de perda de sentido e poderosas ações de revigorar os sentidos perdidos.
Além de profanar santos, principalmente os da história da arte, ele sacraliza a memória popular e a experiência sincrética da arte contemporânea.



CAETANO DIAS. Vernissage hoje, às 19h30. Onde: galeria Marília Razuk (av. 9 de Julho, 5.719, loja 2, tel: 3079-0853; entrada pela r. Jerônimo da Veiga, 62). Quando: de seg. a sex., das 10h30 às 19h; sáb., das 11h às 14h. Até 9/11. Quanto: entrada franca. Preço das obras: de R$ 6.000 a R$ 10 mil.


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