São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2006

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Crítica/teatro/"Cada Um com Seus Pobrema"

Marcelo Médici faz rir com inteligência

Ronaldo Aguiar/Divulgação
Marcelo Médici interpreta a empresária coreana "Yumi" em "Cada Um com Seus Pobrema"


SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando estreou em agosto de 2004, "Cada Um com Seus Pobrema" era apenas mais um show de humor entre os vários que a cidade propõe, com um sucesso de boca a boca surpreendente, mas poupado da responsabilidade de ser um "fenômeno".
Agora, reestreando no Teatro Shopping Frei Caneca, que sabe conciliar a demanda de um público de classe média com a qualidade que todo espetáculo deve ter, Marcelo Médici não só ganhou visibilidade como se tornou quase onipresente.
Mais do que festejá-lo pela fama, é preciso registrar que Médici, muito antes de ser "o Fladson de Belíssima", aprendeu no Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho a querer mais que o sucesso, e por isso foi em busca da técnica precisa da comédia.
O espetáculo, portanto, era desde a estréia uma antologia de personagens de sucesso: Dona Creuza, carismática funcionária da escola de teatro Célia Helena, é imitada há gerações pelos alunos, e o corintiano Sanderson já tinha vencido o Prêmio Multishow de Humor, em 1998, na categoria ""stand-up" comedy" quando foi rebatizado de Zoinho.
Médici é um ator caricato e apenas com a contração do seu rosto faz máscaras que definem personagens e permitem que passe instantaneamente da empresária coreana Yumi - estrábica, de sorriso congelado- à médium Mãe Jatira, cujo esgar na boca intimida e ao mesmo tempo denuncia sua picaretagem. Cada personagem tem sua postura, seu sotaque, sua referência cultural, que o esperto figurino de Cléber Montanheiro - que assina também o cenário igualmente minimalista- define com agilidade.
Se a caricatura viva permite que figuras famosas passem rapidamente pelo palco -Médici é implacável com Marília Gabriela-, ela é perigosa quando se permite reforçar preconceitos. Isso é evitado não só pelo grande poder de observação do ator, que faz com que cada tipo seja cuidadosamente individualizado, como pelo cuidado em fazer valer o ponto de vista de cada personagem.
Assim, a piada que deu origem ao Mico Leão Dourado -o Ibama quer que ele se reproduza, mas ele é gay- é a ocasião para que o universo do travesti, de humor escrachado e quase trágico em sua autoironia, seja evocado com tanto arrojo que se torne quase um emblema do grupo. E não são apenas as minorias que são ridicularizadas -Jonson, o "irmão" modelo e surfista que, sem talento, se dá muito melhor na TV que o protagonista.
E é esse personagem central que faz com que o espetáculo vá além do "stand-up". Embora se dirija diretamente ao público, ele nunca se confunde com o próprio Médici, que assim não pode ser acusado de arrogante. É um ator medíocre, desesperado em convencer a família de seu talento.
Dessa forma, o que bastaria como uma simples colcha de retalhos se firma como um roteiro consistente. Com seu humor implacável sem perder a ética jamais, que confia na inteligência do público sem pudor de almejar antes de tudo o riso, "Cada Um com Seus Pobrema" merece todo o sucesso que tem e prova que o sucesso não está condenado a ser prêmio pela mediocridade, nem o humor, sinônimo de facilidade. É um esforço para a vida toda e abre caminhos ainda mais amplos para um comediante que, como todos sabem, é bem mais que um sujeito engraçado. Marcelo Médici é um ator pleno.

CADA UM COM SEUS POBREMA
    
Quando:
ter. e qua., às 21h; até 29/11
Onde: Teatro Shopping Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, tel. 3472-2229)
Quanto: R$ 30


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