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ERUDITO/CRÍTICA
Duo de pianistas húngaros se apresenta com a Osesp e faz recital na Sala São Paulo tocando Mozart e Bartók
A memória do horror e a sedução da perfeição
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Todo mundo que foi à Sala
São Paulo anteontem foi para
ouvir a "Sonata para Dois Pianos
e Percussão" de Béla Bartók
(1881-1945), uma das sete ou 17
maravilhas da música do século
passado. A instrumentação é rara
e as performances, escassas. Mais
rara ainda a chance de ouvir o
Bartók tocado com acento original, por dois conterrâneos tão
provadamente bons como os pianistas Dezsö Ranki e Edit Klukon.
Ninguém contava com Mozart
(1756-91), no começo da noite;
nem com o "Bolero" de Ravel
(1875-1937), depois.
O Mozart dos húngaros foi a
melhor coisa do programa? Provavelmente. Assim como o "Concerto" K. 365, que os dois tocaram
com a Osesp quinta passada, a
"Sonata em Fá Maior" soou luminosa, mas cheio de sombras;
fluente, mas capaz de interromper a fluência com a sugestão de
sentidos transcendentais. Exemplo: os dongiovanescos baixos no
meio do terceiro movimento,
contrastados às delicadas sequências barroquizantes no agudo.
Ranki e Klukon tocam um Mozart intensamente europeu. Mais
que europeu, é o Mozart da Europa central, o compositor do império austro-húngaro, traduzido para o início do século 21 sem perder
a memória das catástrofes, e nem
por isso indiferente à sedução de
formas perfeitas.
Sedução de formas seria o nome
do jogo, também, para Ravel.
Ninguém namorou a orquestra
com maior refinamento. Tanto
maior a curiosidade de escutar o
"Bolero" nessa versão para dois
pianos. Tudo o que, na partitura
grande, vive das cores instrumentais, agora depende de outros elementos, como textura e dinâmica.
O efeito pode ser revelador, como nas melodias dobradas em intervalos dissonantes, ou nos acordes alterados paralelos: a música
aparece devolvida ao íntimo de si.
Perde em aroma, mas ganha em
luz, um sol abrasador na areia espanhola do teclado. Se o andamento acelerou, isso era quase
inevitável, depois de 15 minutos
de tantantan-tantan-tã, e com
aquele crescendo incrível no fim.
Intervalo e água. Depois, Bartók, com o duo acompanhado por
dois excelentes percussionistas da
Osesp, Elizabeth del Grande e Ricardo Righini (só identificados
num rodapé do programa).
Na "Sonata", o quarteto fez música de câmara elegante e refinada, delicadíssima nos detalhes. Se
faltou alguma coisa, foi explosão
-mas isso tem de ser entendido
como escolha. Ouvida assim, a
"Sonata" ganha conotações de recolhimento que só redobram sua
contundência, às vésperas da explosão do horror.
Avaliação:
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