|
Texto Anterior | Índice
Indicada ao Shell, "Sr. Pellica" brinca com absurdo
DA REPORTAGEM LOCAL
"Como é possível agradar a
uma pessoa cujo maior prazer
gastronômico é comer rosquinhas? Como é possível agradar a
alguém cujo segundo maior prazer gastronômico é beber chá? De
camomila?"
Eis a fala de um inconsolável
dono de uma confeitaria. Ele se
recusa a servir ao rei nessas condições e periga ir à falência. Tudo se
passa no século 18, em território
indefinido, sob guerra. É assim na
comédia de estrutura clássica "A
Incrível Confeitaria do Sr. Pellica", escrita e dirigida pelo carioca
Pedro Bricio, 32.
O espetáculo da Zeppelin Cia.
chega para temporada ao Sesc
Santana, a partir de hoje, trazendo
do Rio cinco indicações ao Prêmio Shell de Teatro -Bricio, por
exemplo, concorre nas duas categorias que lhe cabem.
"Como fazer arte num país em
guerra?", perguntou-se o autor
como ponto de partida. Leu uma
reportagem sobre a ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004), que montou "Esperando
Godot", de Samuel Beckett, em
plena Sarajevo, durante a Guerra
da Bósnia (1992-95).
"Resolvi então situar a peça numa confeitaria, como símbolo da
arte, do artista artesão, que produz algo raro, precioso, mas que
num país em guerra se torna um
ofício prescindível", diz Bricio.
Molière
Ao redor de Pellica, existem figuras-chave na dramaturgia de
Molière, referência assumida, como o criado, a filha, os pretendentes da filha etc.
Com uma promissória vencida,
o que pode levar ao fechamento
da confeitaria, já decadente, Pellica (interpretado por Sávio Moll)
vê no concurso de tortas daquele
reino a única chance para colocar
a casa em ordem e recuperar o
prestígio.
Ele se recusa, inclusive, a dar a
mão da filha a um burguês que,
em troca, promete saldar sua dívida. A atitude tem um preço.
Apesar dos ingredientes do clássico, Pedro Bricio afirma que os
diálogos e os personagens têm
uma quebra contemporânea.
"Eles são neuróticos demais para
estarem naquele contexto. Acho
que a graça do próprio espetáculo
também vem um pouco daí. A
idéia de escrever a partir de uma
receita dramatúrgica, de criar
quase uma falsificação, também
me pareceu muito boa e atual. Somos todos falsificadores de alguma forma."
Na direção, ele instigou os atores a criticarem e a se divertirem
com os personagens de época,
rompendo às vezes com as raias
da comédia e abrindo para tons
da farsa, do absurdo. "Mas é uma
relação mais esquizofrênica do
que controlada", diz Bricio.
"A peça é uma comédia sobre o
fracasso, a decadência -até de
tentar montar um clássico- e da
possibilidade de beleza e de autenticidade que pode surgir desse
cenário", conclui.
Entre os intérpretes, estão Isabel
Cavalcanti, Raquel Rocha, Sérgio
Módena, Nina Morena e Ludmila
Rosa. Também foram indicados
ao Shell Rui Cortez (por melhor
figurino), Tomás Ribas (por iluminação) e Felipe Rocha (por
música original).
A Zeppelin foi fundada em 2003
por ocasião da montagem do primeiro texto de Bricio, "O Homem
que Era Sábado".
A Incrível Confeitaria do Sr. Pellica
Quando: estréia hoje, às 21h; sáb., às
21h, e dom., às 19h; até 2/4
Onde: Sesc Santana - teatro (av. Luiz
Dumont Villares, 579, tel. 6971-8700)
Quanto: R$ 4 a R$ 10
Texto Anterior: Teatro: Piovani quer buscar "coisas invisíveis" Índice
|