São Paulo, sábado, 11 de março de 2006

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Indicada ao Shell, "Sr. Pellica" brinca com absurdo

DA REPORTAGEM LOCAL

"Como é possível agradar a uma pessoa cujo maior prazer gastronômico é comer rosquinhas? Como é possível agradar a alguém cujo segundo maior prazer gastronômico é beber chá? De camomila?"
Eis a fala de um inconsolável dono de uma confeitaria. Ele se recusa a servir ao rei nessas condições e periga ir à falência. Tudo se passa no século 18, em território indefinido, sob guerra. É assim na comédia de estrutura clássica "A Incrível Confeitaria do Sr. Pellica", escrita e dirigida pelo carioca Pedro Bricio, 32.
O espetáculo da Zeppelin Cia. chega para temporada ao Sesc Santana, a partir de hoje, trazendo do Rio cinco indicações ao Prêmio Shell de Teatro -Bricio, por exemplo, concorre nas duas categorias que lhe cabem.
"Como fazer arte num país em guerra?", perguntou-se o autor como ponto de partida. Leu uma reportagem sobre a ensaísta norte-americana Susan Sontag (1933-2004), que montou "Esperando Godot", de Samuel Beckett, em plena Sarajevo, durante a Guerra da Bósnia (1992-95).
"Resolvi então situar a peça numa confeitaria, como símbolo da arte, do artista artesão, que produz algo raro, precioso, mas que num país em guerra se torna um ofício prescindível", diz Bricio.

Molière
Ao redor de Pellica, existem figuras-chave na dramaturgia de Molière, referência assumida, como o criado, a filha, os pretendentes da filha etc.
Com uma promissória vencida, o que pode levar ao fechamento da confeitaria, já decadente, Pellica (interpretado por Sávio Moll) vê no concurso de tortas daquele reino a única chance para colocar a casa em ordem e recuperar o prestígio.
Ele se recusa, inclusive, a dar a mão da filha a um burguês que, em troca, promete saldar sua dívida. A atitude tem um preço.
Apesar dos ingredientes do clássico, Pedro Bricio afirma que os diálogos e os personagens têm uma quebra contemporânea. "Eles são neuróticos demais para estarem naquele contexto. Acho que a graça do próprio espetáculo também vem um pouco daí. A idéia de escrever a partir de uma receita dramatúrgica, de criar quase uma falsificação, também me pareceu muito boa e atual. Somos todos falsificadores de alguma forma."
Na direção, ele instigou os atores a criticarem e a se divertirem com os personagens de época, rompendo às vezes com as raias da comédia e abrindo para tons da farsa, do absurdo. "Mas é uma relação mais esquizofrênica do que controlada", diz Bricio.
"A peça é uma comédia sobre o fracasso, a decadência -até de tentar montar um clássico- e da possibilidade de beleza e de autenticidade que pode surgir desse cenário", conclui.
Entre os intérpretes, estão Isabel Cavalcanti, Raquel Rocha, Sérgio Módena, Nina Morena e Ludmila Rosa. Também foram indicados ao Shell Rui Cortez (por melhor figurino), Tomás Ribas (por iluminação) e Felipe Rocha (por música original).
A Zeppelin foi fundada em 2003 por ocasião da montagem do primeiro texto de Bricio, "O Homem que Era Sábado".


A Incrível Confeitaria do Sr. Pellica
Quando:
estréia hoje, às 21h; sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 2/4
Onde: Sesc Santana - teatro (av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 6971-8700)
Quanto: R$ 4 a R$ 10



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