São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009 |
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Crítica/teatro Peça reflete poesia de Lagarce Elenco talentoso e cenário minimalista exploram lado sombrio do teatro de variedades
LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA
O teatro é também diversão, mas divertir não
esgota tudo o que ele
pode ser. O espetáculo "Music-Hall", da Companhia da Mentira, explora as potências corrosivas do entretenimento quando observado das coxias e longe
do público.
O texto de Jean-Luc Lagarce,
que é traduzido e encenado por
Luiz Päetow, foi escrito em
1989 e tornou-se uma das peças
mais conhecidas entre as criadas pelo dramaturgo e encenador francês. Uma das características de sua dramaturgia é
recusar-se a tramar uma história bem delineada, e buscar
sempre trazer o leitor ou o público para dentro da situação
que as palavras, enunciadas
sem contornos nítidos, vão
constituindo.
O espetáculo intensifica esse
traço e abandona o realismo na
apresentação dos personagens.
A situação dramática proposta
é a de uma artista decadente de
music-hall que, diante de dois
auxiliares -"meninos"-, reflete sobre sua condição de muitos pontos de vista. A opção do
encenador foi tripartir a personagem principal em três atrizes, cada uma abarcando um
aspecto marcante de suas falas,
e manter as vozes dos "meninos" atribuídas a dois atores.
Esta alternativa ganhou significado com uma engenhosa
articulação de mínimos elementos cenográficos e de iluminação. Além de um corredor
e de uma parede descascada, o
espaço cênico se arma com três
banquinhos aparelhados com
alguma luz e uns poucos refletores. São esses elementos, somados a um homogêneo quinteto de talentosos intérpretes,
que sustentam os parcos elementos referenciais que o texto
de Lagarce oferece.
O music-hall é um gênero
que pode inspirar glamour e
exuberância. Na peça em questão, exploram-se os seus aspectos sombrios, quando, por
exemplo, os artistas têm que se
apresentar em lugares barulhentos em troca de uma porcentagem do que se consumir
no bar. A operação de neutralizar sentidos óbvios, e investir
na riqueza poética do texto, resulta na ampliação do contexto
do teatro de variedades. Atualiza para os espectadores presentes questões que remetem ao
teatro em geral e ao próprio espetáculo em curso.
Os atores Donizeti Mazonas
e Sílvio Restiffe são discretos,
mas brilhantes, em seu sapateado impotente. Gabriela Flores traz a faceta mais enérgica
da personagem não nomeada
da atriz. Gilda Nomacce alcança momentos sublimes na interação com um banquinho luminoso e Pricila Gontigo abre e fecha o espetáculo com uma fala
sussurrada e macia, que se torna cortante ao escancarar a fragilidade dos atuantes diante do
escuro e silencioso vazio a que
se dirigem.
Como diz a personagem, trata-se de um "musical sem música", ou quase isso. O que sobressai é a metáfora de um teatro solitário e sem horizontes,
mas que ainda se aguenta ao
encarar suas próprias sombras. MUSIC-HALL Quando: sáb., às 21h, e dom., às 19h30, até 30/8 Onde: teatro Imprensa (r. Jaceguai, 400, Bela Vista, tel. 3241-4203) Quanto: de R$ 5 a R$ 10 Classificação: 14 anos Avaliação: ótimo Próximo Texto: Teatro: "A Noite dos Palhaços Mudos" reestreia hoje Índice |
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