São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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Antiga sala de espera na estação Júlio Prestes renasce como sede da Orquestra Sinfônica do Estado ao som de protestos e da "Sinfonia Ressurreição", de Mahler
Inauguração atrai do presidente ao pipoqueiro

Evelson de Freitas/Folha Imagem
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, durante a apresentação inaugural da Sala São Paulo, na sexta-feira


CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local

No final da tarde de sexta-feira, o pipoqueiro Eduardo Antonio Santana estava na praça da Sé quando viu no céu alguns feixes de luz. Empurrando seu carrinho de pipoca, ele seguiu a iluminação e "tomou um susto" quando chegou ao local de onde ela partia.
Santana estava diante do Complexo Cultural Júlio Prestes, que naquele momento era inaugurado oficialmente. "Esse prédio antes era coisa morta. Agora ficou lindão", disse Santana.
Enquanto o pipoqueiro falava na recuperação de uma "coisa morta", no interior do prédio estava sendo tocada a "Sinfonia nº 2", de Gustav Mahler, que é chamada de "Sinfonia Ressurreição". Celebrando o mesmo renascimento sobre o qual falava o pipoqueiro, só que do lado de dentro do Complexo Cultural Júlio Prestes, estavam o presidente, Fernando Henrique Cardoso, e o governador de SP, Mário Covas.
Eles ocupavam duas das 1.509 cadeiras negras da Sala São Paulo, epicentro do prédio da velha estação Júlio Prestes. Aclamado como o primeiro teatro sinfônico do Brasil, o espaço funciona agora como sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, conhecida tanto em público quanto na intimidade apenas por Osesp.
Hoje a orquestra volta a tocar a mesma sinfonia que apresentou, só para convidados, na sexta-feira. Mas, por enquanto, a "ressurreição" não está disponível integralmente para todos. Ainda não foram divulgados espetáculos gratuitos na Sala São Paulo.
"Esse teatro é uma palhaçada", desabafou Elisângela de Fátima da Silva, que protestava em frente ao complexo Júlio Prestes na sexta. "Aqui na alameda Nothmann, existe um casarão com 150 famílias e o governo não faz nada. Mas gasta uma fortuna pra fazer espetáculo para eles mesmos." Batendo com uma escumadeira em uma frigideira amassada, Glória Fagundes reclamava no mesmo compasso. "Eles comem caviar, nós batucamos na panela vazia."
Mas o coro do lado de fora da Sala São Paulo não cantava apenas protestos. A aposentada Marly Norris foi até lá "apenas para ver o que é bonito". E "encheu os olhos" com o que viu.
Santana, o pipoqueiro que seguiu os canhões de luz que enfeitavam o prédio como quem busca o início do arco-íris, também parecia ter encontrado um pote de ouro. Morador do bairro de Aracati ("fica pra lá do Jardim Ângela, a 35 quilômetros daqui"), ele disse que já estava até pensando em passar a vender suas pipocas mais vezes na praça Júlio Prestes, de tão bonito que estava o edifício construído entre 1926 e 1938.
O interior do prédio, porém, deve continuar sendo mistério para o pipoqueiro. Há nove meses, ele perdeu seu emprego de auxiliar de supervisão da empresa de bicicletas Monark ("tomava conta de 120 pessoas"). Agora, sustenta as dez pessoas que moram em sua casa apenas com a venda de pipoca. "Por enquanto fico só com meus dois discos de orquestra."


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