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CINEMA/"ANITA NÃO PERDE A CHANCE"
Personagem encara "complô do real"
Divulgação
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Rosa María Sardà protagoniza "Anita Não Perde a Chance" |
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
No ônibus, a caminho do trabalho, Anita (vivida por Rosa María Sardà) toma a realidade
como um mau presságio. O olhar
das pessoas ao seu redor lhe dá a
sensação de que algo está para
acontecer.
Ao criar, em "Anita Não Perde a
Chance", um amálgama entre a
subjetividade de sua heroína e a
realidade, o diretor catalão Ventura Pons evoca "Cléo, das 5 às 7",
o clássico de Agnès Varda.
A Cléo de Varda também era vítima do "complô do real": caminhando pelas ruas presa a um
pressentimento fatalista, ela dava
aos signos dispersos da realidade
a sua própria interpretação.
Mas, quando se deparava com a
própria imagem, Cléo, por mais
aflita que estivesse, não deixava
de sentir o alívio de se perceber
ainda bela e desejável, consolo,
justamente, que não resta muito à
cinquentona Anita. Ela é uma espécie de Cléo em crise de menopausa.
No trabalho, seu pressentimento se confirma. O chefe, dono de
uma velha sala de cinema, contempla a sua mais antiga funcionária com umas férias fora de hora. E Anita é dessas pessoas que se
apegam não apenas à rotina e ao
trabalho, mas, sobretudo, aos lugares.
Ela logo descobre que o cinema
em que tantos anos trabalhou como bilheteira está sendo demolido para dar lugar a um multiplex.
Desesperada, passa a acompanhar diariamente o andamento
da obra, tornando-se alvo da
atenção e das lisonjas dos operários no local.
Um dia, adentrando elegantemente o terreno da obra, Anita cai
num buraco. Os operários só conseguem retirá-la com uma escavadeira. É quando Antônio, o homem-escavadeira, entra em sua
vida. Na cena do acidente, o diretor Pons dá uma forma literal ao
tema do filme. Só mesmo um homem-escavadeira para tirar a viúva Anita do buraco em que se meteu na vida.
Criação do escritor Lluis-Anton
Baulenas, que assina tanto o romance que inspirou o filme quanto sua adaptação para o cinema,
Anita é uma dessas vidas que se
deixaram, à determinada altura,
prender num buraco, nele permanecendo por anos a fio. Essa espécie de catalepsia existencial chega
a afetar a maioria das vidas, como
lembra, em suas "Conversações",
o filósofo Gilles Deleuze, um especialista em buracos: "É isto que
me parece interessante nas vidas,
os buracos que elas comportam,
as lacunas, por vezes dramáticas,
mas às vezes nem isso. Catalepsias
ou uma espécie de sonambulismo
por vários anos, é isto o que a
maioria das vidas comporta. É talvez nesses buracos que se faz o
movimento. A questão é justamente como fazer o movimento,
como perfurar a parede para não
dar mais cabeçadas".
Quando jovem, Anita sonhava
tornar-se estrela de cinema. Só
conseguiu ser bilheteira, mas continuou a fazer da tela do cinema o
buraco negro por onde deixava
escapar a própria vida.
Retirada, ainda que tardiamente, do buraco, Anita encontra na
figura do homem-escavadeira
uma última chance de, enfim, viver a vida.
Anita Não Perde a Chance
Anita No Perd el Tren
Produção: Espanha, 2001
Direção: Ventura Pons
Com: Rosa Maria Sardà, José Coronado e
Maria Barranco
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