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TEATRO
"As Artimanhas de Scapino" garante o essencial e mergulha no exagero
Montagem apresenta Molière com irreverência e solidez
Ana Stewart/Divulgação
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Integrantes da cia. de Teatro Atores de Laura durante a peça "As Artimanhas de Scapino" |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
É extremamente eficaz a
estratégia com a qual a Companhia de Teatro Atores de Laura
encara o texto clássico de Molière:
como um jogo de regras claras, a
ser jogado com prazer.
Com 11 anos de estrada, vários
prêmios e experiência internacional -este "As Artimanhas de
Scapino" representou o Brasil no
Festival de Teatro Mercosul em
Córdoba, no ano passado-, o
elenco tem a desenvoltura necessária para mergulhar sem pudor
no exagero, no caricato e no irreverente.
Os puristas poderão objetar
que, apesar do cenário despojado
de Ronald Teixeira e do figurino
que remete ao tradicional de Heloisa Frederico, assim como a bela
trilha de Carlos Cardoso, a peça
está mais para o rococó do que
para o clássico -é a direção de
Daniel Herz, que põe os atores girando no palco como bonecos de
caixa de música enlouquecidos.
Porém, logo fica claro o rigor
desse destrambelhamento, pelas
marcas repetidas com exatidão,
em referências bem embasadas
na commedia dell'arte, e sobretudo pela volúpia com que o elenco
toma posse da extraordinária tradução de Carlos Drummond de
Andrade.
Assim, funcionam as cenas que
têm de funcionar, como aquela
em que Scapino põe Gerôncio, o
velho sovina pai de seu amo, em
um saco, para supostamente protegê-lo do ataque de um bando de
mercenários. Simulando ele mesmo, soldado por soldado, um espanhol com sotaque português,
um chinês e até mesmo um anão e
um surdo-mudo, embora o ludibriado não possa vê-lo, Charles
Fricks é responsável por um momento antológico.
Não ficam atrás Paulo Hamilton
(Gerôncio), que tem a frieza dos
grandes atores ao interromper a
cena para comentar a reação da
platéia, assim como os simpáticos
Anderson Mello e Marcio Fonseca. Caberia fazer o reparo de que
os personagens dos namorados,
cuja função tradicional é a de enternecer a platéia, perdem bastante ao cair também na caricatura e
que Vanessa Dantas ainda não
tem tarimba necessária para a difícil técnica do estereótipo.
Mas não importa: todos se divertem tanto que seria maldade
deixar alguém fora da brincadeira. Outras montagens poderão
aprofundar sutilezas do texto -a
sólida versão dos Atores de Laura
garante o essencial. Afinal, a reverência que se deve a um texto é fazê-lo funcionar, e um texto só é
clássico porque sempre está à disposição para ser revivido. Quando vibra na platéia o claro riso que
se deve a Molière, todo o resto se
torna secundário.
As Artimanhas de Scapino
Texto: Molière
Direção: Daniel Herz e Susanna Kruger
Com: cia. Atores de Laura
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc
Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila
Buarque, região central, tel. 3256-2281)
Quando: sáb., às 22h; e dom., às 20h30;
até amanhã
Quanto: R$ 20
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