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São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2003

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TEATRO

"As Artimanhas de Scapino" garante o essencial e mergulha no exagero

Montagem apresenta Molière com irreverência e solidez

Ana Stewart/Divulgação
Integrantes da cia. de Teatro Atores de Laura durante a peça "As Artimanhas de Scapino"


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

É extremamente eficaz a estratégia com a qual a Companhia de Teatro Atores de Laura encara o texto clássico de Molière: como um jogo de regras claras, a ser jogado com prazer.
Com 11 anos de estrada, vários prêmios e experiência internacional -este "As Artimanhas de Scapino" representou o Brasil no Festival de Teatro Mercosul em Córdoba, no ano passado-, o elenco tem a desenvoltura necessária para mergulhar sem pudor no exagero, no caricato e no irreverente.
Os puristas poderão objetar que, apesar do cenário despojado de Ronald Teixeira e do figurino que remete ao tradicional de Heloisa Frederico, assim como a bela trilha de Carlos Cardoso, a peça está mais para o rococó do que para o clássico -é a direção de Daniel Herz, que põe os atores girando no palco como bonecos de caixa de música enlouquecidos.
Porém, logo fica claro o rigor desse destrambelhamento, pelas marcas repetidas com exatidão, em referências bem embasadas na commedia dell'arte, e sobretudo pela volúpia com que o elenco toma posse da extraordinária tradução de Carlos Drummond de Andrade.
Assim, funcionam as cenas que têm de funcionar, como aquela em que Scapino põe Gerôncio, o velho sovina pai de seu amo, em um saco, para supostamente protegê-lo do ataque de um bando de mercenários. Simulando ele mesmo, soldado por soldado, um espanhol com sotaque português, um chinês e até mesmo um anão e um surdo-mudo, embora o ludibriado não possa vê-lo, Charles Fricks é responsável por um momento antológico.
Não ficam atrás Paulo Hamilton (Gerôncio), que tem a frieza dos grandes atores ao interromper a cena para comentar a reação da platéia, assim como os simpáticos Anderson Mello e Marcio Fonseca. Caberia fazer o reparo de que os personagens dos namorados, cuja função tradicional é a de enternecer a platéia, perdem bastante ao cair também na caricatura e que Vanessa Dantas ainda não tem tarimba necessária para a difícil técnica do estereótipo.
Mas não importa: todos se divertem tanto que seria maldade deixar alguém fora da brincadeira. Outras montagens poderão aprofundar sutilezas do texto -a sólida versão dos Atores de Laura garante o essencial. Afinal, a reverência que se deve a um texto é fazê-lo funcionar, e um texto só é clássico porque sempre está à disposição para ser revivido. Quando vibra na platéia o claro riso que se deve a Molière, todo o resto se torna secundário.


As Artimanhas de Scapino    
Texto: Molière
Direção: Daniel Herz e Susanna Kruger
Com: cia. Atores de Laura
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, região central, tel. 3256-2281)
Quando: sáb., às 22h; e dom., às 20h30; até amanhã
Quanto: R$ 20



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