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Crítica/teatro
Peça cruza ficcional e documental da vida a dois
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O teatro na fronteira entre a vida e alguma outra coisa. Eis o espetáculo "Festa de Separação: Um
Documentário Cênico", em que
se confundem a realidade e a
representação e resta algo indefinível.
A própria classificação "espetáculo" talvez traia a intenção
de seus criadores, que pretendem transformar o recém-vivido, no caso a separação de um
casamento de sete anos, em relato documental.
Janaína Leite e Felipe Teixeira Pinto -ela, atriz; ele, músico e professor- propuseram-se a celebrar a ruptura com diversas festas em que elaboraram com amigos e familiares o
acontecimento.
Essa história recente, trabalhada em vídeos caseiros, cartas e outros recursos habituais
aos casos amorosos, se oferece
como material cênico à direção
de Luiz Fernando Marques e
torna-se ato performativo
diante de uma plateia.
O cuidado e a precisão impressos pelo encenador às
ações realizadas e às imagens
projetadas, se afastam a suspeição de uma impostura, sugerem algumas dúvidas para o espectador.
Como ele deveria lidar com o
fenômeno que se lhe dá a ver?
Ser cúmplice da ousadia do casal e identificar na coragem de
seu ato um fato artístico relevante? Ou duvidar da autenticidade de seus propósitos, na medida em que estão repetindo
duas vezes por semana, numa
temporada teatral, o que se pretende um registro documental
de um momento traumático?
O teatro não foi sempre a
apresentação de algo distinto
da vida que nos faz acreditar ser
ela própria quem está ali diante
de nós?
Só em provocar essas especulações a iniciativa já merece reconhecimento. O problema é
que, além da boa ideia que está
implícita no projeto, ele não escapa de tornar-se uma ficção
espetacular.
Não importa que as falas sejam declarações de pessoas autênticas, e não de personagens.
De algum modo, colocados
diante do público, eles se reapresentam e ganham uma aura
ficcional.
As falas, e a história que elas
configuram, transformam-se
em dramaturgia.
Mesmo não havendo uma
curva dramática desenha-se
um sentido, propõe-se uma leitura, e é nessa perspectiva que
se revela um ponto fraco.
Na coleção de lugares-comuns e platitudes sobre as dificuldades da vida a dois, recheada com pitadas de filosofia de
almanaque, não se alcança um
tratamento relevante do tema
que se quer abordar, o da finitude do amor.
Ainda assim, na hesitação entre ser cena ou documento, encontra-se uma forma original.
FESTA DE SEPARAÇÃO -
UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO
Quando: ter. e qua., às 21h; até 2/12
Onde: teatro Imprensa (r. Jaceguai,
400, tel. 3241-4203)
Quanto: R$ 10
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom
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