São Paulo, quarta-feira, 11 de novembro de 2009

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Crítica/teatro

Peça cruza ficcional e documental da vida a dois

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O teatro na fronteira entre a vida e alguma outra coisa. Eis o espetáculo "Festa de Separação: Um Documentário Cênico", em que se confundem a realidade e a representação e resta algo indefinível. A própria classificação "espetáculo" talvez traia a intenção de seus criadores, que pretendem transformar o recém-vivido, no caso a separação de um casamento de sete anos, em relato documental.
Janaína Leite e Felipe Teixeira Pinto -ela, atriz; ele, músico e professor- propuseram-se a celebrar a ruptura com diversas festas em que elaboraram com amigos e familiares o acontecimento. Essa história recente, trabalhada em vídeos caseiros, cartas e outros recursos habituais aos casos amorosos, se oferece como material cênico à direção de Luiz Fernando Marques e torna-se ato performativo diante de uma plateia.
O cuidado e a precisão impressos pelo encenador às ações realizadas e às imagens projetadas, se afastam a suspeição de uma impostura, sugerem algumas dúvidas para o espectador. Como ele deveria lidar com o fenômeno que se lhe dá a ver?
Ser cúmplice da ousadia do casal e identificar na coragem de seu ato um fato artístico relevante? Ou duvidar da autenticidade de seus propósitos, na medida em que estão repetindo duas vezes por semana, numa temporada teatral, o que se pretende um registro documental de um momento traumático?
O teatro não foi sempre a apresentação de algo distinto da vida que nos faz acreditar ser ela própria quem está ali diante de nós?
Só em provocar essas especulações a iniciativa já merece reconhecimento. O problema é que, além da boa ideia que está implícita no projeto, ele não escapa de tornar-se uma ficção espetacular. Não importa que as falas sejam declarações de pessoas autênticas, e não de personagens. De algum modo, colocados diante do público, eles se reapresentam e ganham uma aura ficcional.
As falas, e a história que elas configuram, transformam-se em dramaturgia. Mesmo não havendo uma curva dramática desenha-se um sentido, propõe-se uma leitura, e é nessa perspectiva que se revela um ponto fraco.
Na coleção de lugares-comuns e platitudes sobre as dificuldades da vida a dois, recheada com pitadas de filosofia de almanaque, não se alcança um tratamento relevante do tema que se quer abordar, o da finitude do amor. Ainda assim, na hesitação entre ser cena ou documento, encontra-se uma forma original.


FESTA DE SEPARAÇÃO - UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO

Quando: ter. e qua., às 21h; até 2/12 Onde: teatro Imprensa (r. Jaceguai, 400, tel. 3241-4203)
Quanto: R$ 10
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom




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