UOL


São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ERUDITO

Compositor carioca João Guilherme Ripper faz adaptação de texto originalmente escrito por Nelson Rodrigues

A ressurreição operística do "Anjo Negro"

ARTICULISTA DA FOLHA

Escrita em 1946, "Anjo Negro" é uma das peças do "teatro desagradável", como dizia o próprio Nelson Rodrigues (1912-80). Teatro desagradável: porque faz ver, na experiência prosaica do cotidiano, um tumulto de horrores realizados ou sonhados. Mitos trágicos encarnam na vizinha ao lado. Bom pretexto, certamente, para a ópera; e bom começo para essa nova ópera de João Guilherme Ripper, que estreou quinta no Centro Cultural Banco do Brasil.
Respondendo à sugestão de André Heller, que assina a direção cênica, o compositor carioca escreveu mais de duas horas de música para 12 cantores, acompanhados por pequeno conjunto (quarteto de cordas, contrabaixo, piano e percussão, regidos aqui por Abel Rocha). É uma ópera de câmara, assim como "Domitila" (2001), e igualmente apropriada para esse minúsculo palco -embora se possa imaginar que tudo venha a crescer bastante, noutra montagem menos constrangida.
Constrangida a música não é. Mas está longe de ser desbragada. Não é nenhuma acusação descrever a música como bem-comportada; embora leitores de Nelson Rodrigues hão de reclamar desse registro tão afável, tão bem escrito, tão próximo, muitas vezes, do cancioneiro tradicional (da modinha à bossa nova), temperado que seja de trítonos. Em outro plano: Puccini e Radamés Gnatalli, temperado que seja de Alban Berg. Alguém dirá que a contradição é intencional; talvez tenha razão.
O mínimo que se pode dizer é que a música nunca é menos do que engenhosa. Se há algum incômodo, tem a ver com essa contradição entre as potências monstruosas do dramaturgo e o conforto da composição. A ironia é sempre difícil: uma ária delirante da mãe, revelando verdades inomináveis à filha cega, não acaba ganhando contorno de musical?
Vale o mesmo para a encenação, que carrega na caricatura. A construção das personagens sempre será um problema em ópera. Nem sempre a música acompanha a evolução do caráter; e nem sempre os cantores têm tempo para pensar no assunto. Já constrangido pelo espaço, o excelente elenco de cantores encabeçado por Regina Elena Mesquita, Sebastião Teixeira, Rubens Medina e Andrea Ferreira parece também apertado pela estilização.
Ressalva: era a estréia. Há muito espaço, sem ironia, para esse "Anjo Negro" crescer.
(ARTHUR NESTROVSKI)


Anjo Negro  
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quando: de qui. a dom., às 19h30; até 3/8
Quanto: R$15



Texto Anterior: Teatro: Cacá procura personagem pirandelliano
Próximo Texto: Artes plásticas: Museu da Casa Brasileira marca território
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.