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ERUDITO
Compositor carioca João Guilherme Ripper faz adaptação de texto originalmente escrito por Nelson Rodrigues
A ressurreição operística do "Anjo Negro"
ARTICULISTA DA FOLHA
Escrita em 1946, "Anjo Negro" é uma das peças do "teatro desagradável", como dizia o próprio Nelson Rodrigues (1912-80). Teatro desagradável: porque
faz ver, na experiência prosaica do
cotidiano, um tumulto de horrores realizados ou sonhados. Mitos
trágicos encarnam na vizinha ao
lado. Bom pretexto, certamente,
para a ópera; e bom começo para
essa nova ópera de João Guilherme Ripper, que estreou quinta no
Centro Cultural Banco do Brasil.
Respondendo à sugestão de André Heller, que assina a direção
cênica, o compositor carioca escreveu mais de duas horas de música para 12 cantores, acompanhados por pequeno conjunto
(quarteto de cordas, contrabaixo,
piano e percussão, regidos aqui
por Abel Rocha). É uma ópera de
câmara, assim como "Domitila"
(2001), e igualmente apropriada
para esse minúsculo palco -embora se possa imaginar que tudo
venha a crescer bastante, noutra
montagem menos constrangida.
Constrangida a música não é.
Mas está longe de ser desbragada.
Não é nenhuma acusação descrever a música como bem-comportada; embora leitores de Nelson
Rodrigues hão de reclamar desse
registro tão afável, tão bem escrito, tão próximo, muitas vezes, do
cancioneiro tradicional (da modinha à bossa nova), temperado que
seja de trítonos. Em outro plano:
Puccini e Radamés Gnatalli, temperado que seja de Alban Berg.
Alguém dirá que a contradição é
intencional; talvez tenha razão.
O mínimo que se pode dizer é
que a música nunca é menos do
que engenhosa. Se há algum incômodo, tem a ver com essa contradição entre as potências monstruosas do dramaturgo e o conforto da composição. A ironia é
sempre difícil: uma ária delirante
da mãe, revelando verdades inomináveis à filha cega, não acaba
ganhando contorno de musical?
Vale o mesmo para a encenação, que carrega na caricatura. A
construção das personagens sempre será um problema em ópera.
Nem sempre a música acompanha a evolução do caráter; e nem
sempre os cantores têm tempo
para pensar no assunto. Já constrangido pelo espaço, o excelente
elenco de cantores encabeçado
por Regina Elena Mesquita, Sebastião Teixeira, Rubens Medina
e Andrea Ferreira parece também
apertado pela estilização.
Ressalva: era a estréia. Há muito
espaço, sem ironia, para esse "Anjo Negro" crescer.
(ARTHUR NESTROVSKI)
Anjo Negro
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r.
Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quando: de qui. a dom., às 19h30; até
3/8
Quanto: R$15
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