São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

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Moradores interagem com criação

DA REPORTAGEM LOCAL

Há dois domingos, a Folha acompanhou um ensaio aberto de "Hygiene". Enquanto um morador fez questão de carregar o filho nas costas durante as cenas externas, uma outra vizinha se queixou da presença do "teatro" na Vila Operária Maria Zélia.
"O grupo tem apelo, consegue interagir com os moradores, apesar de muitos ainda não se sensibilizarem", diz Wagner Vargas Legnini, 54, presidente da Associação Amigos da Vila Maria Zélia. Ele estava acompanhado do filho Kavan, 4.
"A peça deles [do grupo XIX de Teatro] é meio fraquinha, deveria ser mais bem produzida", diz Leonor Mota Conde, 73, que nunca foi ao teatro e tomou as intervenções de rua como "simplistas". Apesar da crítica, ela, que estava de passagem, se deixou levar por algumas cenas depois de conversar com a reportagem.
Nascida na vila, Eride Albertini, 52, ficou tão empolgada com a "criatividade" do grupo que juntou-se a ele. Conhecedora das artes da marcenaria (tem uma oficina em casa), construiu uma máquina fotográfica nos moldes daquelas dos velhos lambe-lambe, em madeira, com tripé alto, equipamento que é visto logo na primeira cena, em frente à capela.
"O teatro é uma luz, prova que é possível ocupar a vila com cultura", diz Albertini.
"Eles [os artistas] puseram sangue novo numa coisa que estava adormecida", afirma Edelcio Pereira Pinto, 56, também nascido na vila.
Nos ensaios, os moradores também trouxeram objetos pessoais e deram dicas, entre as quais a incorporação de bambus e varais em algumas cenas, como na época das lavadeiras locais.

Fidelidade
Quanto à concepção cenográfica, o grupo procurou dialogar com o máximo de fidelidade aos espaços como eles são.
"Além de ocupar o espaço como memória, assumimos as interferências da criança que passa no meio da cena, de bicicleta, ou mesmo dos ruídos externos, como as buzinas dos carros da vila", diz o arquiteto Renato Bolelli, 25, que assina seu primeiro trabalho no grupo.
Durante a residência, a equipe do XIX de Teatro organizou debates com especialistas em moradia, arquitetos e organizações sociais ligadas aos sem-teto.
Uma das primeiras intervenções artísticas foi "A Vila Imita a Arte, a Arte Imita a Vila".
Exibiu filmes como "Narradores de Javé", de Eliana Caffé, sobre uma comunidade que tem na oralidade a única forma de preservar sua existência -do contrário será inundada para a construção de uma usina hidrelétrica.
Fez curta temporada de "Hysteria" no antigo armazém da vila, também "resgatado". Moradores locais choravam ao entrar neste ou em outros prédios públicos até então fechados. Lembravam da infância.
A Escola dos Meninos, por exemplo, que recebe "Hygiene", estava tomada pelo mato e foi capinada pelos atores e técnicos do grupo, com a ajuda de alguns moradores. (VS)


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