São Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 2007

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Crítica/teatro

Atores se destacam em adaptação eficiente de "Estação Carandiru"

"Salmo 91" sintetiza em dez monólogos, com simplicidade, as peças essenciais do quebra-cabeças de Drauzio Varella

Bruno Miranda - 2.jul.07/Folha Imagem
Ensaio da peça "Salmo 91', que tem direção de Gabriel Villela


SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Estação Carandiru", do médico e colunista da Folha Drauzio Varella, vem merecendo tantas releituras em teatro, cinema e TV por tocar fundo na ferida da violência sem inflamá-la. Evitando o maniqueísmo, sem apologia nem estigmatização, dá nomes aos inomináveis, expondo tipos complexos, que podem comover ou fazer rir, mas nunca deixam de assumir a responsabilidade pelo que fizeram. Eis o homem, em sua condição extrema: que cada um tire sua conclusão.
O massacre que submergiu em sangue coletivo a falha de cada indivíduo, longe de ofuscar histórias pessoais, deu dimensão trágica até às situações mais anódinas que Varella colheu do convívio. A recomendação de uma mãe para que o filho lesse o salmo 91 ("mil cairão ao teu lado, e 10 mil à tua direita, mas tu não serás atingido") toma peso de profecia apocalíptica -um pesadelo a ser purificado pelo coletivo.
O mérito do adaptador, o jornalista Dib Carneiro Neto, foi o da eficiente simplicidade. Sintetizou em dez monólogos as peças essenciais do quebra-cabeças, sensível à marca da prosódia de cada um: o modo de falar é uma dignidade pessoal irremovível. Trouxe como moldura o filho do salmo, que apresenta e conclui, em texto próprio, a dimensão do que houve.
Em bases tão sólidas, Gabriel Villela escapou da tentação da associação livre e aplicou com habilidade seus méritos de encenador. Cada personagem é enquadrado com adereços emblemáticos como os dos arcanos do tarô. Assim, esse prisioneiro bígamo trancado na sala de jogos manipula, como o Mago, bolas de bilhar e pebolim para ilustrar sua narrativa. Mascate do passado, torna-o atraente, sem distrair o público da precariedade da situação.
O universo kitsch característico de Villela é apropriado para caracterizar os dois travestis, distanciando ironicamente seus excessos sentimentais por meio da trilha, mas sem cair no deboche: a admiração por sua dignidade e coragem prevalece.
Mas nada disso bastaria se não fosse a extraordinária performance dos atores, a sua inteligência e maturidade ao se apropriarem de avatares tão sofridos. Pedro Moutinho, apesar de cumprir suas marcas com energia, ainda é um pouco ingênuo, mas isso se nota sobretudo em contraste com o alto nível dos outros: Ando Camargo, Rodolfo Vaz e Rodrigo Fregnan estão inesquecíveis.
O grande momento, porém, fica por conta de Pascoal da Conceição. Não só assume o narrador inicial e final como um "spalla", mas faz um velho prisioneiro com uma entrega que chega aos limites da incorporação, sem perder o distanciamento irônico. É um grande momento do teatro, que faz valer a duração um pouco dilatada do espetáculo e o desconforto das cadeiras do Oficina.

SALMO 91
Quando:
sex. e sáb., às 21h30; dom., às 19h; até 23/9
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, Bela Vista, tel. 3106-2818)
Quanto: R$ 20
Avaliação: ótimo


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